Véspera de Natal – VI . Fruto

Para ler ouvindo: Mary did You Know (Kutless)



Quando Maria recebeu dos lábios de Gabriel a notícia de que sua prima Isabel – estéril – estava grávida, já começara a planejar uma visita a ela.
Mas não podia fazer nada antes que José lhe dissesse o que iria fazer.
Havia sido um belo diálogo.

Eles estavam na casa dos pais de Maria, que olhavam desconfiados para o genro.
-Perdoe-me por não ter acreditado em você, Maria! Eu deveria ter...
-Não, José! Não te recrimino por isso! Afinal, é difícil acreditar que um anjo apareceu para uma moça pobre de Nazaré!
-Ainda assim, eu deveria ter acreditado em você. Você nunca deu motivos para que alguém, quem quer que fosse, duvidasse da sua palavra! – Virou-se para os pais da jovem – O anjo falou em sonhos comigo também. A criança que Maria carrega no ventre... Será um varão e seu nome será Jesus!
Todos se silenciaram.
-Jesus? Mas é um nome muito comum, não acha José? Já temos muitos Jesuses e Josués pelas ruas  – Disse a mãe de Maria um pouco desconcertada.
José sorriu.
-Mas Jesus será diferente... É o nome que o anjo disse-me para colocar no menino, pois ele será salvador, e salvará toda a raça humana da escravidão do pecado!
O silêncio tomou conta da sala novamente.
Maria olhava para baixo. Foi seu pai que desabafou primeiro após alguns minutos.
-Filha, eu acredito que Deus não te escolheu por acaso, e acredito que você é uma moça forte. Mas você acha que... Que consegue carregar em si tamanha responsabilidade?
Maria respirou fundo.
-Senhor, meu pai... É tarde demais para voltar atrás. Jeová não me concederia uma responsabilidade da qual ele achasse que eu não daria conta. Oro para que Ele me guie nessa jornada. Você estará comigo, José?
-Estarei contigo todos os dias até que  meu fôlego seja levado de volta pra Deus, Maria! Te ajudarei e amarei essa criança como se eu mesmo a tivesse gerado com você!


Gabriel sorria ao ver essa cena. Tocava uma canção aleatória na sala do trono.
-Parece que tudo correrá bem... – o sorriso murchou um pouco – Mas sinto saudades de Miguel. Saudades doem demais. Essa é uma das piores sensações que senti depois da queda...
O Pai sorriu ternamente, com uma ponta de melancolia, o que fez o ambiente tremular azulado.
-Você sentiu falta de Lúcifer por um tempo, não sentiu?
-Sim... Pra ser sincero ainda sinto falta do tempo em que nos preocupávamos apenas com servir ao Senhor pelo prazer de tocar música para você, levar e trazer mensagens... Ele era sábio... O que aconteceu?
-Ele conheceu o mal... Ele conheceu a sensação de viver sem depender de mim.
-Era o que significava o fruto no Éden, não era? Uma assinatura de emancipação.
O ambiente ficou num tom mais escuro de azul.
-Sim, Gabriel... Era um símbolo de conhecimento do bem, que sou eu, e do mal, que nada tem a oferecer. O som das mordidas de Adão e Eva naquele fruto tiniu nos meus ouvidos como o mais doloroso do mundo.
-Nunca entenderemos o amor que tens por todas as criaturas, Pai. Mesmo as que lhe traíram a confiança. Mas devo confessar que me entristeceu a mordida naquele fruto também.
-E exatamente por isso enviei Miguel... A liberdade de escolha que o fruto que a primeira mulher comeu representava será restaurada pelo fruto que aquela encantadora mulher de Nazaré carrega em seu ventre...

-Oh, Maria, como você é bendita entre as mulheres, bendito é o fruto que carrega em seu ventre! –foi a exclamação de Isabel ao ver a prima, e sentir dentro de si o seu próprio fruto revolver-se em alegria, movidos ambos pelo Espírito Santo que sussurrava naquele ambiente.
A voz no deserto se remexia no ventre ao sentir aproximar-se dele, a mensagem que ele próprio levaria. O fruto que construiria gerações inteiras, não com seu DNA transmitido de geração em geração, mas com o seu sangue derramado no pó para que germinasse a semente da salvação.
Nenhum daqueles bebês tinha uma real consciência do que estava acontecendo.
Um estava apenas começando a se tornar um feto, o outro, prestes a nascer.
Mas ambos haviam sido designados a crescerem e plantarem a mensagem de amor que o Pai tinha para a humanidade.
Isabel entendera aquilo de uma forma pela qual só o Espírito poderia ter-lhe contado.
Maria viajara quilômetros para ver a prima e se alegrar com ela.
Mas Isabel sabia que ela estava recebendo a visita do “Deus Conosco” em sua casa.
Com o maior sorriso que pôde abrir, exclamou espontaneamente:
-Quem sou eu para que me visite a mãe do meu Senhor?

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