Véspera de Natal - I . Observatório


Miguel olhou para o planeta lá embaixo.
Sua expressão era de determinação, curiosamente misturada com dor.
Gabriel postava-se ao seu lado. 
Cenho franzido. 
-Isso é mesmo necessário, mestre? 
-Você não tem ideia do quanto, Gabriel. 
-Mas... Mas... Você vai morrer lá! 
-Exatamente. 
Gabriel parecia indignado. 
Os seus olhos marejaram. 
Ele lembrou-se na primeira vez que chorou. 
Estava sentado observando um dos seus melhores amigos acusar o Pai de injustiça. Até aquele dia ele não tinha se dado conta do que estava acontecendo. Então percebeu. 
Ali era o fim da paz, da harmonia. Lúcifer, que fora seu modelo de anjo durante anos, estava se rebelando. Estava se separando da família. 
Pela primeira vez, Gabriel havia experimentado algo que viria a sentir com frequência: tristeza. 
Agora ele respirava ofegante, triste e frustrado enquanto contemplava o pequeno planeta Terra perdido na imensidão escura do Universo.
-Mas você é Deus! Não pode simplesmente... Morrer!
-É aí que está... Eu posso. E vou.  É a única maneira. 
-Eles valem tudo isso realmente? Digo, veja o que fizeram a todos os profetas que você enviou... 
Miguel sorriu. 
-Não é a questão de quanto eles valem, Gabriel. É de quanto nós os amamos. E eu amo especialmente aquele planeta. Tanto amo que eu vou morar lá por um tempo, e depois de tudo, então poderá dizer o que valem: valerão meu sangue.
-Você sabia desde o início, não sabia? 

-Sim...
-Por que não... 

-Impedi? Destruí? Eu sei que você se lembra do que Lúcifer me acusou ao tentar usurpar meu trono. Eu fui acusado de ser tirano, egoísta, carrasco. Fui acusado de governar como se fosse um titã da mitologia grega. Mas você sabe que não é verdade, não é, Gabriel? 
-Sei, sim, Senhor! Sua essência é amor e bondade. 
-Ele ainda me acusa perante a humanidade... É hora de mostrar a verdade. Mostrar a face do Pai a eles. Mostrar quem eu realmente sou. E mais do que isso, mostrar a ELES quem eles realmente são... 
Gabriel franziu o cenho e olhou para o rosto de Miguel. 
O semblante mais belo que Gabriel já havia visto, prestes a perder toda aquela beleza, tudo isso para salvar a eles... Aqueles nos quais não havia nada de bom a ser apreciado... Aqueles que matavam, roubavam, desobedeciam. Não entendia. 
-E quem são eles, Senhor? 
Miguel lançou um olhar tão amoroso para o planeta sujo que Gabriel ficou envergonhado. 
-Quem são eles? Eles são meus filhos perdidos. E eu estou indo encontrá-los de novo...
Gabriel olhou novamente para o pequeno planeta e pensou se eles faziam alguma ideia de que estavam para receber, vestido como um deles, o próprio Criador.

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