O Clichê da Página em Branco
Eu estava na terceira série quando fui à biblioteca da escola pela primeira vez e, já tendo lido "O Caso da Borboleta Atíria", fui ávido ler "A Ilha Perdida".
Desde esse dia e até minha adolescência eu praticamente "engolia" livros inteiros de ficção. Eu matava a aula de educação física e ia para a biblioteca.
Meus gêneros preferidos? Livros policiais, suspenses e fantasia. Fui consumidor de Agatha Christie, Sidney Sheldon, Dan Brown, Monteiro Lobato, Harry Potter, Narnia e até hoje me rendo a aventuras fantásticas como as de Tolkien e séries infanto juvenis como Percy Jackson.
Quando enfrentei meus dramas existenciais da adolescência, a ficção que alimentei na infância fez de mim o que as pessoas chamam de "escapista".
Escapistas usam a ficção - literária ou cinematográfica - como fuga da realidade. Em algum grau todo mundo é um pouco escapista. Alguns dizem até que a religião é uma forma de escapismo. Mas o escapismo ficcional as vezes tira tanto da realidade que começamos a querer viver aquilo que estamos lendo.
Eu falo por mim mesmo.
Eu já quis ser um dos adolescentes aventureiros dos livros da série Vaga Lume ou morador do Sítio do Pica Pau Amarelo, para que eu pudesse ter um pouco de emoção na minha vida pacata, histórias pra contar, e poder ser cumprimentado como alguém de respeito. Um herói. Mas a que preço? Quanto de nostalgia eu teria que aguentar? Quanta adrenalina derramada? Quantas perdas?
Eu já quis ser um dos mocinhos da Agatha Christie (e confesso que várias vezes quis ser alguns dos vilões), para que depois, recebesse os aplausos pela minha inteligência refinada e meu ato heroico de desvendar um crime e evitar um próximo. Mas no fim das contas ao deseja-lo eu queria que um assassinato ocorresse para que eu pudesse desvendá-lo. Não seria sempre o vilão, que nas histórias da escritora quase sempre são pegos no final?
Eu já quis ser - e qual dos fãs da série da JK Rowling não quis - um aluno de Hogwarts, daqueles que esperava uma coruja com uma carta de admissão, para um mundo cheio de perigos. Mas qual o preço de ser Harry Potter? Qual o peso de desejar ser alguém que teve a vida destruída pela morte dos pais e carregava dentro de si a maldição que o assolava?
Já quis ter a riqueza e a beleza dos protagonistas do Sidney Sheldon, já quis ter os títulos, a audácia e a inteligência dos personagens do Dan Brown. Mas eu realmente procurava o perigo real de viver um suspense eletrizante?
Será que eu conseguiria aceitar o peso de uma missão quase suicida na Terra Média? Ou será mesmo que é bom ser filho de algum deus mitológico ocupado demais para dar atenção aos filhos, e ainda ter que passar a vida fugindo de e lutando contra monstros?
O fato é que o escapismo faz-nos querer entrar dentro de algum mundo fantástico bem escrito, mas não nos permite ver o que já temos na realidade.
Não permite ver que o Autor da maior história já contada já dá a nós, seus filhos, tudo o que precisamos.
Afinal, a vida é uma aventura ou não é?
O cliché sempre repetido no ano novo de uma nova história a ser contada, novas 365 páginas em branco a serem preenchidas pode ser algo previsível e já repetido milhares de vezes, mas quem, por mais prevenido que seja, consegue controlar o próprio futuro?
É o cliché da página em branco que permite que você olhe para sua lista de sonhos, prioridades, metas e planos e depois olhe pra frente sem fazer a mínima ideia do que te espera. A vida tem tantas surpresas e reviravoltas reais, impossíveis de serem previstas, que fazem com que os enredos mais bem escritos e surpreendentes da literatura pareçam brincadeira de criança.
Aqui fora do escapismo, a realidade é brutal. A emoção se encontra na consciência de que somos SIM personagens de uma guerra, entre o Bem e o Mal, entre Deus e as Trevas, entre nós e nós mesmos, entre a realidade e o escapismo.
Querendo ou não somos heróis de uma aventura de proporções mais épicas do que cabem numa série de livros, somos autores de crimes e delatores destes, somos personagens de uma batalha entre egos que nos coloca num eixo em que a magia de uma escola de bruxaria parece inútil perante os obstáculos que enfrentamos. Somos a todo momento bombardeados com informações que nosso cérebro absorve e temos que decidir se são verdadeiras ou falsas. Conspirações, não políticas, mas espirituais que nos jogam em armadilhas que podem nos levar a morte. A vida é uma aventura muito maior, mais imprevisível e perigosa do que qualquer dos livros que nós escapistas usamos para fugir dela.
Mas, apesar de criticarmos histórias politicamente corretas e zombarmos dos finais felizes, sempre fugimos pra eles e ansiamos por ter todas as respostas e fechar todos os plots da nossa vida.
Pra você que tenta a todo momento tomar o controle da sua vida e tentar fazer dela o mais literária possível - seja através da ostentação dos épicos ou no intimismo romântico, ou em alguns casos até uma tragédia ultrarromântica - eu tenho uma novidade: sua história só pode ser decidida por você, mas você tem um Autor que escreveu um final feliz pra você e um Sabotador que tenta te fazer acreditar que a morte é um elemento inevitável do enredo.
Seu final feliz já foi escrito por Jesus, quando ele usou uma cruz pra dividir a história. Seu sacrifício e sua abnegação ainda são o maior plot twist, a maior reviravolta da história. E é a maneira como você o encara que vai decidir onde você estará no final das contas.
Você não vai ter todas as respostas até que a história termine definitivamente, mas cada escolha que você fizer, diante de cada obstáculo que encontrar é o que vai definir se o seu final será um ponto melancólico ou um desejado "para sempre".
Não existem fórmulas prontas ou sinopses disponíveis. Você tem sim páginas em branco pela frente, mas você é pequeno demais para preenchê-las. A única coisa que você pode fazer é decidir se você dará a caneta ao Autor ou se permitirá que o Sabotador tome-a de você. E aí, quem escreverá a história do seu 2014?
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