Véspera de Natal – III . Anunciação

Para Ler Ouvindo: Breath of Heaven - Amy Grant




Ela era uma belíssima jovem.
Os abundantes cachos negros emolduravam o rosto.
Ela não tinha a pele branca, nem o semblante etéreo que se pinta nas telas e vitrais.
Pele morena, queimada de sol. O sorriso e o olhar eram espertos, brilhantes, radiantes.
Ao mesmo tempo havia uma pureza nela que parecia exalar o doce cheiro de ervas finas.
Naquele momento ela amassava o pão na cozinha e cantarolava uma música tradicional.
A letra era um texto de Isaías.
“Consolai, consolai o meu povo, diz o Senhor teu Deus...”
Gabriel já a observava a algum tempo.
Sorriu ao ouvi-la cantar a promessa.
A ansiedade tomava conta dele.
Chegara a hora.


Apesar de todo o receio, ele queria saber como aquilo terminaria.
Ele olhou com aprovação enquanto a moça colocava o pão no forno.
Ela seria uma ótima mãe.
Em todo esse tempo observando os humanos ele enxergou que as boas mães na maioria das vezes haviam sido ótimas filhas.

Era chegada a hora.
Gabriel aproximou-se da porta.
Ele tinha que pensar sistematicamente em como apareceria para os humanos.
Profetas, depois da primeira vez, geralmente já estavam acostumados.
Mas a primeira vez poderia causar grandes estragos.
Ele não podia se mostrar como realmente era, senão provocaria cegueira ou no mínimo um ataque cardíaco.
Mas também não podia parecer um homem comum, tinha que estar claro que ele era um anjo.
Gabriel orou ao Pai e pediu orientação e inspiração.
A voz veio imediatamente.
Não dentro da cabeça dele, como muitos imaginariam, mas ao seu ouvido.
-Não fique, tão apreensivo, Gabriel! Estou aqui com você... E lá com ela. Vamos?

Foi o maior susto que Maria tomou na vida.
Não sabia o que pensar, muito menos o que fazer.
Era a criatura mais bela que já vira.
Gabriel sorriu e ao invés de dizer o que havia planejado, soltou:
-Maria, alegre-se! O Senhor está aqui com você!
Maria processou a cena.
Aquele certamente era um anjo.
Já ouvira falar sobre suas aparições e como eles se pareciam.
O que a perturbou mesmo foi o que ele disse.
Havia algo nas palavras.
Ela sabia que ele não estava falando apenas da presença de Deus ali.
Mas ela não conseguiu dizer.
Gabriel viu que ela não tinha entendido e tratou de explicar antes que ela saísse correndo.
-Não tenha medo, Maria! O Senhor lhe concedeu um enorme presente! Você terá um filho, ele será grande, e será chamado Filho de Deus. Ele assumirá o reino de Davi no governo sobre a descendência de Jacó, e seu reino será eterno!

Maria arregalou os olhos.
-Mas... Mas... Eu sou virgem! Nunca estive com um homem, e estou prom...
-Você ficará grávida através do milagre do poder do Espírito Santo de Deus, que te cobrirá com seu grande poder e fará de você mãe do santo, Filho do Altíssimo! Prova de que ele pode fazer isso é que eu passei pela casa da sua prima Isabel para avisá-la que mesmo em idade avançada, ela e seu marido Zacarias serão agraciados com um filho que ela mesma conceberá! Acredite, Maria, e confie! NADA é impossível para Deus!
A moça ofegava.
Crescera naquela cidade de má fama que era Nazaré. Poucas pessoas a conheciam.
Estava prometida a um carpinteiro.
Aquilo estava além de qualquer coisa que ela já pudera ter na vida.
A responsabilidade seria maior do que...
Lembrou-se das palavras da canção que estava cantarolando ao amassar o pão.
“Consolai, consolai o meu povo, diz o Senhor Deus...”
Ela nunca havia feito nada especial na vida.
Nunca havia feito nada diretamente para mudar alguma coisa daquela realidade triste em que viviam.
Respirou fundo e tomou a decisão.
-Eu sou serva do Senhor! Que seja feita a vontade DELE na minha vida!

Gabriel agora observava Maria.
Estava com o Pai na sala do trono.
Já era noite em Nazaré e a moça já havia se deitado.
Mas não conseguia dormir.
Olhava pra cima.
Parecia não saber ainda o que esperar, o que pensar, ou sequer o que sentir.
O que acontecera naquele dia fora mais do que qualquer coisa que imaginara para a própria vida.
Deus olhara pra ela.
Escondida naquela cidade rejeitada.
-Você a ama muito, não ama? – Gabriel perguntou.
O Pai sorriu. Tudo pareceu mais iluminado, mais colorido no ambiente. Em Nazaré, a nuvem que cobria a Lua se dissipou.
-Ah se amo! Ela agora está pensando em como fará José acreditar nela. Alguns humanos se questionariam o porquê eu permitiria que ela passasse pela rejeição de uma gravidez fora do casamento na sociedade judaica. Mas por que prestar atenção no que os homens dizem sobre eles mesmos, quando EU, que os criei, decidi que ela seria minha escolhida? A sociedade poderá enxergá-la como uma pecadora, mas eu a chamo de Bendita entre todas as mulheres.
Gabriel olhou apreensivo para o rosto jovem da moça.
-O Senhor não pode...?
- Não permitirei que ela sofra com isso, fique tranquilo. Mas precisarei de você de novo, agora pra falar com outra pessoa...

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