O Boticário, A Feira e A Igreja


Numa pequena cidade chamada Mundo, existia um boticário - para quem não sabe, boticários eram lojas onde se vendiam poções e unguentos com intenções diversas, o que mais tarde evoluiu para o que conhecemos como farmácia.

A intenção do boticário - além de vender, é claro - era defender a natureza das pessoas que a destruíam, e através dela, defender as pessoas de bem de outros males - como doenças físicas e preconceito.
Ao lado do boticário havia uma feira de variedades e logo depois uma igreja.

A intenção da igreja - além de adorar a Deus, é claro - era curar o mundo e curar as pessoas - boas ou más - de todos os males, como doenças físicas e preconceito, mas principalmente de males espirituais, que TODOS sofrem.

O problema, é que no boticário, as pessoas gostavam mais de vender do que de defender as pessoas e a natureza, assim como na igreja as pessoas gostavam mais de observar pelas janelas o que rolava na feira.

A feira por sua vez, era um lugar onde iam tanto os frequentadores da botica quanto os frequentadores da igreja, e lá eles conviviam. Poucas vezes era um convívio pacífico, afinal, os membros da igreja que ficavam olhando pela janela e não prestavam atenção na adoração a Deus, gostavam de dizer que os outros queimariam no inferno.
Por outro lado, os defensores da botica olhavam para aqueles acusadores e achavam que todo mundo dentro da igreja era igual, e começaram a pensar que talvez devessem atear fogo na igreja.

O resultado é que tanto o pessoal da botica, quanto o pessoal da igreja, esqueceram dos motivos pelos quais iam no boticário e na igreja, e saíram de lá pra brigarem na feira.
A feira virou um pandemônio com o bate-boca entre os igrejeiros e os defensores da botica.
Os igrejeiros clamavam em alto e bom som que a botica era do demônio, enquanto os defensores bradavam que a igreja era obsoleta, seguia regras absurdas e deveria ser queimada.
Então, um Homem levantou-se de um banquinho onde estivera sentado observando tristemente a guerra e disse calmamente para quem tivesse ouvidos para ouvir:

- Há muitos anos, eu e meu Pai construímos o Boticário, a Feira e a Igreja como um quarteirão onde todos pudessem viver e conviver livres para ir e vir.
Aí vocês, ao invés de viverem e conviverem, pararam de prestar atenção no que devem. Quem é do Boticário esqueceu que fui eu quem o construí, e insiste em tentar tomar posse de um lugar que não é deles, achando que a Botica deveria ser bem diferente da Igreja. Quem é da Igreja, esqueceu de prestar atenção no Deus a quem dizem adorar e insistem em dizer que a Igreja não deveria cumprir um papel que é da botica. O resultado é que a feira, que deveria ser o ponto de ligação entre as duas, se tornou o ponto de separação e fez com que vocês esquecessem que este lugar não é de vocês.
Vocês não acham que está na hora de repensar tudo o que estão fazendo?
"Essa guerra de vocês é fruto do egoísmo. Os membros da Igreja que deveriam ser os guias do quarteirão se esqueceram de amar e pagarão o preço da hipocrisia. Mas os membros do Boticário que deveriam ser gratos pela vida que têm, pagarão o preço da hipocrisia também, pois assim como os igrejeiros de fachada que lhes acusam, eles zombam do prato em que comeram e retrucam preconceito com intolerância e generalizações. Os dois grupos se julgam bons e defensores de causas nobres, mas lutam para conquistar espaço para eles ao invés de tentar conquistar espaço para todos. Os dois grupos se julgam certos, mas ambos negam que receberam este lugar de mim e do meu Pai e acham que são donos do próprio nariz. Todo mundo aqui está aqui de favor, mas acha que merece estar aqui. Somente aqueles que reconhecem que não têm onde morar e aceitam que devem seguir as regras do quarteirão, somente aqueles que entendem que este é um lugar de união e também de regras, permanecerão. Os outros, se não mudarem, vão se deparar no final com a triste constatação de que lutaram a vida toda por algo que nunca perceberam que já tinham, mas será tarde demais.

Alguns poucos ouviram o que o Homem tinha a dizer e tentaram apaziguar a guerra e curar os feridos. Mas a maioria ignorou e continuou guerreando - sempre com a desculpa de que queriam fazer do quarteirão um lugar melhor.
No dia do despejo, os que guerrearam viram tarde demais que já estavam na sargeta.
Os poucos que ficaram, junto com o Homem e seu Pai, derrubaram as paredes do Boticário, da Feira e da Igreja e construíram ali um jardim onde viveram felizes para sempre.

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