[Resenha] A Minha Fala no "Diálogo Número Um" com o Estêvão Queiroga
Para Ler Ouvindo: Diálogo Número Um - Estêvão Queiroga
O Diálogo Número Um começa quando soa a Toada do Dedé. A minha mente é transportada para a varandinha simples de uma casa de sapé com um senhorzinho de pele queimada de sol e entrecortada por linhas repletas de histórias a serem contadas. E é uma dessas histórias que ele conta para algum dos seus netos enquanto a chuva cai lá fora.
Mas quando o Menino crescido monta o alazão fugaz, galopa e ao ver a luz ao fim e enfim volta atrás, a percussão transporta a nossa consciência para paisagens brasileiras que acompanham a história de um personagem que Corre Atrás do Vento. Um apelo se faz ao menino. Não adianta correr atrás de um vento que é soprado por aquele que sopra para onde quer.
E embora a canção, seus violões, triângulo e flauta fazem com que pensemos que Ele sopra pelas florestas do Norte, o sertão nordestino ou o cerrado mineiro, a mensagem é bem clara: o vento sopra além do que a nossa pequenez permite enxergar. Não há alazão que lhe alcance, não há juventude que consiga dEle correr. O lance é deixar ele guiar e soprar, "sem viver como quem corre atrás do vento".
Mas a história continua, serena na tranquilidade de um rio e na voz de um novo homem. Não era o mesmo que saiu de casa. Sua jornada pela vida lhe fez passar pelo fogo que queima e pela luz que cega. Talvez Ananias, Misael, Azarias e Paulo reconhecessem o fogo e a luz. O caminho parece solitário e duro demais, mas a reviravolta no enredo fica por conta da descoberta de que o fogo que queima aquece, a luz que cega faz enxergar além e o plot twist da história de todos: a mãe da Esperança é a provação. Aos poucos a canção acrescenta à solidão do caminhante a voz dos outros que caminham lado a lado, mas mostra principalmente que embora pareçam opostos, A Partida e o Norte são apenas um.
O Vento, a Partida e o Norte agora dão lugar Sol. O Sol e Eu é uma bela melodia de felicidade tranquila. Sem euforia, mas cheia de energia e esperança. O Sol nunca nos deixa, mesmo quando some. A parte da caminhada em que a maturidade permite que percebamos certas coisas que a pressa e a euforia talvez deixem passar.
Essa mesma maturidade acompanhada de fé faz com que confiemos quando uma porta se fecha às nossas costas e Mais uma Porta se abre à nossa frente. Os pianos e as cordas juntos "fecham" o ambiente aberto da canção anterior, mas mantém a segurança do Sol, garantindo que não vamos nos frustrar pois Deus só abre as portas dos lugares onde Ele está.
E na vida do eu lírico isso se prova pela segurança e maturidade que ele tem em compartilhar esse amor que ele recebe do alto. Afinal, Pode Ser em qualquer situação, Deus está ali com ele e sua amada, compartilhando o amor pleno. A trilha sonora dessa parte da história é deliciosa e acompanhada por vocais que tornam tudo ainda mais bonito de se escutar. Bonito, mas não piegas.
Não dá pra saber se uma coisa é consequência da outra, mas de repente o diálogo se depara com a verdade sobre O Preço do Amor. Um instrumental impecável, irreverente, dinâmico, o piano, a pegada jazz, tudo acompanha a forma irônica com que a música critica nossas reações humanas, falhas e naturais ao amor oferecido de forma tão gratuita e inquestionável. A profunda verdade sobre o amor aqui confronta com altivez qualquer tentativa que o homem possa ter de barganhar o que não tem capacidade pra fazer.
O cenário muda, mas o tom de ironia e ainda "jazzístico" permanece quando o eu lírico questiona:
Quem sou eu?
A genial guitarra muda mais um pouco o som e entra para complementar a ironia do discurso e o peso da verdade que está sendo dita, não apenas sobre o eu lírico, mas também sobre o ouvinte. Ele não mede palavras ao expor a incoerência, a hipocrisia e a crise inevitável de identidade do homem que não se permite ser morada do Grande Eu Sou.
Aliás, sobre identidade, o diálogo continua e discute sobre os conceitos de Bom e Mau. A discussão sobre a bondade ou maldade da natureza humana é antiga na filosofia e na sociologia. Mas aqueles que, como o proponente do diálogo, creem no que a Bíblia diz, sabem que a natureza humana é complexa e vive numa tensão que se equilibra entre a pecaminosidade do homem caído e a transformação concedida pelo Homem Deus. Uma refeição com pão e vinho fecha a música, tão multifacetada quanto é o tema abordado por ela.
Pão e vinho são símbolos de um sacrifício que provoca essa transformação difícil de explicar. Então o eu lírico introduz no diálogo o recurso da analogia. As frases oscilam entre o belo (Quando o pai se senta pra brincar com o filho) e o incômodo (Quando o Rei se curva pra beijar o servo), o confortante e o revoltante. Então fica claro: É Isso!
É disso que ele fala quando canta e escreve sobre o amor. A tensão da parte anterior do diálogo, encontra o paradoxo do amor de entrega que ele aprendeu na Palavra.
O clímax do diálogo é a junção do discurso com a vivência. A união da experiência do Vento, do Caminho, do Sol, do Amor, da Porta, do Eu Sou, do Homem Deus com o Bom e Mau eu lírico, homem caído.
A questão é: O Que Será quando finalmente as palavras ditas alcançarem seu interlocutor? Qual será a reação dos que ouvirem quando as ideias apresentadas ali finalmente se assentarem na poltrona da compreensão?
A dúvida e a entrega se unem numa das mais belas faixas que eu já ouvi. Numa retórica musical arrepiante, no instrumental impressionante e nos vocais expressivos, o discurso se faz completo e o diálogo conclui com o som de chuva.
A casinha de sapé agora parece menos aconchegante que a própria chuva, como se esta nos chamasse para nos purificarmos nela e aceitarmos que assim como o Vento, o Sol e o Rio, ela traz vida e transformação. As cordas e a chuva nos dão um tempo para pensar no que foi dito e aos poucos vão dando lugar à luz da compreensão até se silenciarem.
Mas apesar de ser o fim do discurso, o Sol aparece novamente depois da chuva e abre um arco íris, o almoço está pronto e é hora de descontrair com os amigos. A faixa bônus Nós é aquele epílogo amigável depois de uma discussão intensa, quando você reafirma a amizade e a lealdade àquele com quem dialogou. E o álbum conclui com essa faixa incrível, alto astral, aconchegante, com vocais que complementam a mensagem de comunhão e amizade (é quase como se ele estivesse agradecendo tanto aos que participaram com ele do CD e "quem tiver a fim" de entrar no diálogo, no caso, a gente que ouve) e que deixa com gostinho de quero mais. Não só querer mais do Estêvão, mas também da mensagem pregada por ele.
Diálogo Número Um é um acréscimo de valor inestimável ao rol de álbuns cristãos indispensáveis para quem aprecia a arte honesta, sem demagogia, inteligente, bem executada, criativa e, principalmente, marcante e necessária para um cenário musical que precisa alcançar pessoas que estão cansadas da religiosidade pregada de forma enlatada, política, receosa e superficial.
Concluo essa humilde contribuição ao diálogo proposto citando meu amigo Hélio Miguel, que definiu o álbum como "ousado e surpreendente", comparando a experiência de ouvi-lo a "experimentar comida típica: você nunca sabe o que vai vir. Até pode ler a descrição do prato no cardápio, mas só sabe o real sabor quando come, lentamente e com receio, e vai sentindo as texturas e os temperos na boca até ingerir."
Obrigado, Estêvão, por nos oferecer essa "comida típica" bem brasileira. Que Deus acompanhe a caminhada e o caminhate!
O que dizer dessa capa maravilhosa e carregada de sentimento? |
O Diálogo Número Um começa quando soa a Toada do Dedé. A minha mente é transportada para a varandinha simples de uma casa de sapé com um senhorzinho de pele queimada de sol e entrecortada por linhas repletas de histórias a serem contadas. E é uma dessas histórias que ele conta para algum dos seus netos enquanto a chuva cai lá fora.
Mas quando o Menino crescido monta o alazão fugaz, galopa e ao ver a luz ao fim e enfim volta atrás, a percussão transporta a nossa consciência para paisagens brasileiras que acompanham a história de um personagem que Corre Atrás do Vento. Um apelo se faz ao menino. Não adianta correr atrás de um vento que é soprado por aquele que sopra para onde quer.
E embora a canção, seus violões, triângulo e flauta fazem com que pensemos que Ele sopra pelas florestas do Norte, o sertão nordestino ou o cerrado mineiro, a mensagem é bem clara: o vento sopra além do que a nossa pequenez permite enxergar. Não há alazão que lhe alcance, não há juventude que consiga dEle correr. O lance é deixar ele guiar e soprar, "sem viver como quem corre atrás do vento".
Mas a história continua, serena na tranquilidade de um rio e na voz de um novo homem. Não era o mesmo que saiu de casa. Sua jornada pela vida lhe fez passar pelo fogo que queima e pela luz que cega. Talvez Ananias, Misael, Azarias e Paulo reconhecessem o fogo e a luz. O caminho parece solitário e duro demais, mas a reviravolta no enredo fica por conta da descoberta de que o fogo que queima aquece, a luz que cega faz enxergar além e o plot twist da história de todos: a mãe da Esperança é a provação. Aos poucos a canção acrescenta à solidão do caminhante a voz dos outros que caminham lado a lado, mas mostra principalmente que embora pareçam opostos, A Partida e o Norte são apenas um.
O Vento, a Partida e o Norte agora dão lugar Sol. O Sol e Eu é uma bela melodia de felicidade tranquila. Sem euforia, mas cheia de energia e esperança. O Sol nunca nos deixa, mesmo quando some. A parte da caminhada em que a maturidade permite que percebamos certas coisas que a pressa e a euforia talvez deixem passar.
Essa mesma maturidade acompanhada de fé faz com que confiemos quando uma porta se fecha às nossas costas e Mais uma Porta se abre à nossa frente. Os pianos e as cordas juntos "fecham" o ambiente aberto da canção anterior, mas mantém a segurança do Sol, garantindo que não vamos nos frustrar pois Deus só abre as portas dos lugares onde Ele está.
E na vida do eu lírico isso se prova pela segurança e maturidade que ele tem em compartilhar esse amor que ele recebe do alto. Afinal, Pode Ser em qualquer situação, Deus está ali com ele e sua amada, compartilhando o amor pleno. A trilha sonora dessa parte da história é deliciosa e acompanhada por vocais que tornam tudo ainda mais bonito de se escutar. Bonito, mas não piegas.
Não dá pra saber se uma coisa é consequência da outra, mas de repente o diálogo se depara com a verdade sobre O Preço do Amor. Um instrumental impecável, irreverente, dinâmico, o piano, a pegada jazz, tudo acompanha a forma irônica com que a música critica nossas reações humanas, falhas e naturais ao amor oferecido de forma tão gratuita e inquestionável. A profunda verdade sobre o amor aqui confronta com altivez qualquer tentativa que o homem possa ter de barganhar o que não tem capacidade pra fazer.
O cenário muda, mas o tom de ironia e ainda "jazzístico" permanece quando o eu lírico questiona:
Quem sou eu?
A genial guitarra muda mais um pouco o som e entra para complementar a ironia do discurso e o peso da verdade que está sendo dita, não apenas sobre o eu lírico, mas também sobre o ouvinte. Ele não mede palavras ao expor a incoerência, a hipocrisia e a crise inevitável de identidade do homem que não se permite ser morada do Grande Eu Sou.
Aliás, sobre identidade, o diálogo continua e discute sobre os conceitos de Bom e Mau. A discussão sobre a bondade ou maldade da natureza humana é antiga na filosofia e na sociologia. Mas aqueles que, como o proponente do diálogo, creem no que a Bíblia diz, sabem que a natureza humana é complexa e vive numa tensão que se equilibra entre a pecaminosidade do homem caído e a transformação concedida pelo Homem Deus. Uma refeição com pão e vinho fecha a música, tão multifacetada quanto é o tema abordado por ela.
Pão e vinho são símbolos de um sacrifício que provoca essa transformação difícil de explicar. Então o eu lírico introduz no diálogo o recurso da analogia. As frases oscilam entre o belo (Quando o pai se senta pra brincar com o filho) e o incômodo (Quando o Rei se curva pra beijar o servo), o confortante e o revoltante. Então fica claro: É Isso!
É disso que ele fala quando canta e escreve sobre o amor. A tensão da parte anterior do diálogo, encontra o paradoxo do amor de entrega que ele aprendeu na Palavra.
O clímax do diálogo é a junção do discurso com a vivência. A união da experiência do Vento, do Caminho, do Sol, do Amor, da Porta, do Eu Sou, do Homem Deus com o Bom e Mau eu lírico, homem caído.
A questão é: O Que Será quando finalmente as palavras ditas alcançarem seu interlocutor? Qual será a reação dos que ouvirem quando as ideias apresentadas ali finalmente se assentarem na poltrona da compreensão?
A dúvida e a entrega se unem numa das mais belas faixas que eu já ouvi. Numa retórica musical arrepiante, no instrumental impressionante e nos vocais expressivos, o discurso se faz completo e o diálogo conclui com o som de chuva.
A casinha de sapé agora parece menos aconchegante que a própria chuva, como se esta nos chamasse para nos purificarmos nela e aceitarmos que assim como o Vento, o Sol e o Rio, ela traz vida e transformação. As cordas e a chuva nos dão um tempo para pensar no que foi dito e aos poucos vão dando lugar à luz da compreensão até se silenciarem.
Mas apesar de ser o fim do discurso, o Sol aparece novamente depois da chuva e abre um arco íris, o almoço está pronto e é hora de descontrair com os amigos. A faixa bônus Nós é aquele epílogo amigável depois de uma discussão intensa, quando você reafirma a amizade e a lealdade àquele com quem dialogou. E o álbum conclui com essa faixa incrível, alto astral, aconchegante, com vocais que complementam a mensagem de comunhão e amizade (é quase como se ele estivesse agradecendo tanto aos que participaram com ele do CD e "quem tiver a fim" de entrar no diálogo, no caso, a gente que ouve) e que deixa com gostinho de quero mais. Não só querer mais do Estêvão, mas também da mensagem pregada por ele.
Diálogo Número Um é um acréscimo de valor inestimável ao rol de álbuns cristãos indispensáveis para quem aprecia a arte honesta, sem demagogia, inteligente, bem executada, criativa e, principalmente, marcante e necessária para um cenário musical que precisa alcançar pessoas que estão cansadas da religiosidade pregada de forma enlatada, política, receosa e superficial.
Concluo essa humilde contribuição ao diálogo proposto citando meu amigo Hélio Miguel, que definiu o álbum como "ousado e surpreendente", comparando a experiência de ouvi-lo a "experimentar comida típica: você nunca sabe o que vai vir. Até pode ler a descrição do prato no cardápio, mas só sabe o real sabor quando come, lentamente e com receio, e vai sentindo as texturas e os temperos na boca até ingerir."
Obrigado, Estêvão, por nos oferecer essa "comida típica" bem brasileira. Que Deus acompanhe a caminhada e o caminhate!
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