Amor e Ira entre Sangue e Vísceras
Essas palavras juntas são o suficiente para acender discussões, multiplicar livros, teses e criar manifestações de amor e ódio.
Tudo depende das escolhas que as pessoas fazem ao usá-las.
E ao permitir que o homem pudesse escolher entre o bem e o mal, não foi apenas a humanidade que foi colocada em questão. A divindade se colocou voluntariamente numa posição de risco (Gn 2:16-17).
Risco esse que veio a se cumprir.
O pecado começou na Terra pois Deus foi colocado em questão.
A Serpente acusa Deus de mentira e insinua que Eva foi enganada por Ele (Gn 3:1-7).
A partir daí, todas as questões feitas por nós se direcionam a Ele.
E isso não é de hoje. Jó, Habacuque, os salmistas, os gregos epicureus, os filósofos modernos e pós-modernos. Todos questionaram em algum momento a causa e a consequência das coisas (embora os autores bíblicos facilmente obtivessem a resposta, várias vezes ela se mostrava frustrante para o ego humano).
Por que um Deus tão bom permitiria o mal? Por que os justos sofrem? Por que os ímpios não pagam pelo que fazem? Nos tempos de hoje, além dessas perguntas, as pessoas questionam a diferença aparente entre o Deus tirano do Antigo Testamento e o Deus amoroso do Novo. Por que tanto sangue e vísceras? Dos rituais ao juízo que era enviado sobre os povos ímpios?
Nossa cultura ocidental ajudou-nos a relacionar o amor apenas com coisas belas e bonitas. Flores, cartas românticas, grafismos geométricos "fofinhos" representando corações, belas paisagens, fotos de pessoas sorrindo e olhando uma para a outra. Mesmo o lado depressivo do romantismo possui essa beleza do amor ideal, inalcançável, mas belo e desejado.
Nossa mente ocidental também relaciona a justiça ao direito de uma forma estreita. A formalidade sisuda do raciocínio lógico, as sentenças proferidas com base em provas concretas. As discussões políticas e ideológicas que colocam frente a frente, por exemplo, os defensores do amor que poupa a vida e da justiça que defende a pena de morte.
Nossa mente ocidental também relaciona a justiça ao direito de uma forma estreita. A formalidade sisuda do raciocínio lógico, as sentenças proferidas com base em provas concretas. As discussões políticas e ideológicas que colocam frente a frente, por exemplo, os defensores do amor que poupa a vida e da justiça que defende a pena de morte.
Esse tipo de coisa coloca dificuldades em nossa mente para relacionarmos amor e justiça, graça e condenação.
Mas na Bíblia o amor está relacionado diretamente à justiça.
E tanto o amor, quanto a justiça são atributos definitivos de Deus. Mas como pode isso?
Como a ira profunda de Deus pode ser uma manifestação do seu amor?
Deus avisou as consequências do pecado a Adão e Eva.
Deus deu 120 anos para Noé advertir o povo ante diluviano.
Deus avaliou todos os justos e ímpios antes de consumir Sodoma e Gomorra (Gn 18:22-33).
Os egípcios conheceram o Deus de Abraão, Isaque e Jacó através de José e Moisés.
Deus deu aos cananeus 400 anos para pensarem sobre graça e juízo antes de enviar o povo de Israel para tomar a terra de Canaã, com restrições e ordens muito específicas (Gn 15:16).
Nínive foi poupada, pois se arrependeu em peso ao ouvir o juízo proferido por Jonas.
Lá em Levítico 26, Deus avisou o povo de Israel tudo o que aconteceria se eles descumprissem a Aliança que fizeram por livre e espontânea vontade com Deus. Por isso todo o desespero quando Jeremias anuncia que o Juízo vem.
Quando a ira de Deus se manifesta, é por que a humanidade já ultrapassou todos os limites aceitáveis de desobediência. Está tão longe de ser o que foi criada para ser, que é um ato de misericórdia que seja destruída antes que chegue a um ponto tão abominável que é até difícil descrever.
Mas ainda assim Deus permite que nós escolhamos. Podemos escolher o bem e o mal. E ele faz isso por amor. Assim como faz parte de sua justiça permitir e fazer com que colhamos o bem ou o mal que plantamos. E não apenas individualmente, mas como humanidade.
E aí que entra: Somos salvos de quê?
De nós mesmos. Da nossa natureza (Salmo 52:3-5).
Somos pecadores, herdeiros de Adão e Eva. Merecedores de nada além da morte.
E aí que entra a graça e o amor.
Alguns olham horrorizados para o sacrifício de animais e o juízo de Deus. Mas esquecem do horror cometido pelas nações e esquecem da nossa propensão inevitável para o mal.
Mais do que isso, esquecem que a maior demonstração de ira de Deus não foi sobre Sodoma e Gomorra, não foi sobre a Terra no Dilúvio.
A maior demonstração da ira divina foi a cruz.
Deus despejou toda a sua ira pelo pecado sobre seu filho.
Deus despejou toda a sua ira pelo pecado sobre seu filho.
Um homem esmagado, ensanguentado, açoitado, humilhado, nu, atravessado por cravos e lanças.
Um homem rasgado, estraçalhado, destruído, física e emocionalmente.
O homem que, indubitavelmente, mais sofreu no mundo.
"Ao vê-lo assim, completamente despido, agonizando, abandonado do céu e da terra, podemos perguntar: 'quem é esse?' Em nossa ignorância somos tentados a responder: 'esse é o filho de Deus'. Errado! Esse somos nós na pessoa do nosso substituto" (RODOR, 2011).
"Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de tristeza e familiarizado com o sofrimento. [...]Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós o consideramos castigado por Deus, por ele atingido e afligido.
Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniqüidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados.
Todos nós, tal qual ovelhas, nos desviamos, cada um de nós se voltou para o seu próprio caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós.
Ele foi oprimido e afligido, contudo não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado para o matadouro, e como uma ovelha que diante de seus tosquiadores fica calada, ele não abriu a sua boca.
Com julgamento opressivo ele foi levado. E quem pode falar dos seus descendentes? Pois ele foi eliminado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo ele foi golpeado.
Foi-lhe dado um túmulo com os ímpios, e com os ricos em sua morte, embora não tivesse cometido qualquer violência nem houvesse qualquer mentira em sua boca.
Contudo foi da vontade do Senhor esmagá-lo e fazê-lo sofrer, e, embora o Senhor faça da vida dele uma oferta pela culpa, ele verá sua prole e prolongará seus dias, e a vontade do Senhor prosperará em sua mão.
Depois do sofrimento de sua alma, ele verá a luz e ficará satisfeito; pelo seu conhecimento meu servo justo justificará a muitos, e levará a iniqüidade deles.
Por isso eu lhe darei uma porção entre os grandes, e ele dividirá os despojos com os fortes, porquanto ele derramou sua vida até à morte, e foi contado entre os transgressores. Pois ele carregou o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores."
Isaías 53:3-12 (NVI, grifo acrescentado)
Quem somos nós para questionarmos a justiça e o amor dEle ao encararmos seu silêncio diante de sua morte?
Quem somos nós para separarmos sua justiça do seu amor, quando ele juntou as duas coisas de maneira tão incisiva e brutal que deveríamos nos silenciar diante de tamanha grandeza!?
Quem somos nós para procurarmos o amor no conforto das coisas simétricas, se o próprio Deus definiu o amor por toda a história entre sangue derramado e vísceras expostas?
Quem somos nós para questionar por que os bons sofrem o mal, quando nossa pergunta deveria ser: por que nós, sendo maus, recebemos o bem de Deus?
Agora, me encontro diante do computador escrevendo esse texto e percebo que, diante da insana, sangrenta e brutal mensagem da cruz, o silêncio é a nossa melhor resposta ao sacrifício de Deus.
Ele sofreu a minha sentença em silêncio e diante do seu silêncio, se não for para louvar e engrandecer o nome de um Deus tão grande em amor e justiça, eu prefiro ficar calado.
Minhas palavras já foram usadas contra Cristo no tribunal, para que não precisem ser usadas contra mim no juízo final.
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