A Tensão Definida por Alfred Hitchcock e Paulo de Tarso




No clássico "Hitchcock/Truffaut", o grande cineasta François Fruffaut entrevista o seu diretor favorito, Alfred Hitchcock, e este define suspense (gênero do qual ele é considerado mestre) a partir de uma exemplificação que compara a surpresa e o suspense, e o motivo deste lhe ser mais atraente:

"A diferença entre suspense e surpresa é muito simples, e costumo falar muito sobre isso. Mesmo assim é frequente que haja nos filmes uma confusão entre essas duas noções. Estamos conversando, talvez exista uma bomba debaixo desta mesa e nossa conversa é muito banal, não acontece nada de especial, e de repente: bum, explosão. O público fica surpreso, mas, antes que tenha se surpreendido, mostram-lhe uma cena absolutamente banal, destituída de interesse. Agora examinemos o suspense. A bomba está debaixo da mesa e a plateia sabe disso, provavelmente porque viu o anarquista colocá-la. A plateia sabe a que a bomba explodirá à uma hora e sabem que falta quinze para a uma - há um relógio no cenário. De súbito a conversa banal fica interessantíssima porque o público participa da cena."

A característica básica do suspense bem sucedido é - usando o jargão das sinopses, críticas e comerciais - manter o espectador "grudado na cadeira e com os olhos grudados na tela" através da tensão. Tensão pode ser definida como "estado do que ameaça romper-se", como uma corda que prende alguém em segurança do penhasco, mas se desgasta e está prestes a arrebentar e causar a morte da pessoa a quem segura.
Tanto nos filmes de suspense, quanto na vida real, o ápice da tensão é estabelecido quando o protagonista está entre a vida e a morte. A vida pode se romper a qualquer momento, e as situações nunca são favoráveis. Quando o final do filme é otimista, algum elemento surge em cima da hora para resolver a tensão para que o público volte a respirar.

Todo aquele que tem consciência da vida espiritual e do conflito que ocorre entre o bem e o mal que nos cercam e resolve seguir a Cristo, tomar o rumo certo, vive em constante tensão. Quando Paulo relaciona Lei-Graça-Pecado-Sacrifício-Cristo-Salvação em Romanos 7 e 8, ele nos lembra o quão confuso é ser humano no meio dessa guerra espiritual.

"Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio.
E, se faço o que não desejo, admito que a lei é boa.
Neste caso, não sou mais eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim.
Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo.
Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo.
Ora, se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, mas o pecado que habita em mim.
Assim, encontro esta lei que atua em mim: Quando quero fazer o bem, o mal está junto a mim.
Pois, no íntimo do meu ser tenho prazer na lei de Deus;
mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua em meus membros.
Miserável homem eu que sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte?"
Romanos 7:15-24

Percebe a tensão? Hitchcock diz numa entrevista feita para o seminário do AFI (American Film Institute), dessa vez diferenciando mistério de suspense, que quando você dá informações ao seu público num filme, você os envolve e o torna ativo na história.
Através de sua Palavra, Deus nos deu informações sobre o conflito em que vivemos. Em Gênesis descobrimos sobre a guerra travada entre "a semente da mulher" e a "semente da serpente" (Gn 3:15), guerra essa que herdamos.
Dando sua Lei ao seu povo, Deus também dá informações sobre como deveríamos viver, como o plano original era. Mas, apesar de ser uma lógica simples em teoria, a prática é difícil. Como herança do fruto que nossos primeiros pais, Adão e Eva, comeram, nós temos conhecimento prático do bem e do mal, e eles lutam entre si e dentro de nós. Quando escolhemos seguir a Cristo, estabelecemos um conflito entre o que queremos e o que fazemos, entre o que a carne deseja e o que o Espírito deseja para nós, entre quem somos e quem queremos ser.
Uma tensão muitas vezes tão insuportável, que muitos desistem ou criam fantasias e desculpas para sucumbir. Mas o próprio Paulo, após a desesperada pergunta básica de todo ser humano que luta contra o pecado dentro de si, responde a partir do verso 25:

Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu próprio sou escravo da lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado.
Romanos 7:25

Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus,
porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte.
Porque, aquilo que a lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne, Deus o fez, enviando seu próprio Filho, à semelhança do homem pecador, como oferta pelo pecado. E assim condenou o pecado na carne,
a fim de que as justas exigências da lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito.
Romanos 8:1-4

A promessa que recebemos através de Cristo, não resolve a tensão final, a tensão máxima. Afinal, o enredo da História do Conflito ainda não chegou ao seu final. Mas Deus nos deixou spoilers o suficiente para termos certeza da salvação em Cristo.
O convite da Palavra não é para que percamos o fardo ainda, mas para que troquemos nosso fardo com o de Cristo, que é muito mais leve (Mateus 11:28-30). Paulo, assim como o próprio Cristo nos Evangelhos e os outros autores de epístolas, deixam claro que o convite de Jesus não é para termos a paz tranquila que o mundo oferece, mas para viver a paz em meio à tensão provocada pelo conflito entre o bem e o mal. E graças ao roteiro divino para a humanidade que temos informação para saber dessa escolha que temos.
Afinal, a tensão só é vivida por quem escolhe o caminho da Cruz e é a Cruz quem nos concede paz.

Rendendo-me ao cliché do apelo: Viva a tensão do viver segundo o Espírito. Isso torna o enredo da vida muito melhor e garante o final feliz.

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