O Preço da Opinião

Para ler ouvindo: Verdade (Daniela Araújo feat. Leonardo Gonçalves)

Essa tirinha está aqui para sua livre interpretação.

Eu pensei muito, mas muito mesmo, antes de fazer um texto sobre o ataque ao Charlie Hebdo.
Quem acompanha o blog sabe que eu costumo ser incisivo quando acho necessário ou uso eufemismos do melhor estilo "para bom entendedor" para emitir as opiniões mais controversas.
Sim, gosto de manter as boas relações, então um pouco de política faz-me sacrificar a praticidade da escrita direta.
E é justamente essa política que me fez pensar se escreveria ou não este texto.
Mas afinal, se eu quero honrar algo como a liberdade de expressão ou a classe dos escritores, mais do que isso, se eu sou um cristão que defende o amor e o livre arbítrio, como posso me calar diante de um fato terrível simplesmente para evitar ser rechaçado por alguns ou admirado por outros que venham a entender errado o que eu escrevi?

Se a revolta toma conta de mim quando ouço dizer de pessoas que, aparentemente só por discordarem, matam as outras a sangue frio sem se importar com as consequências e geralmente em nome de ideologias às quais eles não representam, por que eu clamaria para mim o direito de permanecer calado?

Reservo-me no direito de não apelar para o sentimentalismo. O choque perante a morte - sobretudo resultado da violência - já é tema recorrente no blog. Quero falar sobre as causas e também as consequências. Quero comentar os burburinhos e opiniões.

O fato é que o simples discordar pode parecer ofensivo a uma assustadora maioria que acaba se deparando com algum questionamento a respeito da sua cosmovisão.
E não pense que nós, os defensores da liberdade de expressão, estamos isentos desse sentimento: os religiosos podem se ofender com sátiras à religião, mas a revolta toma conta do "ativismo da liberdade" quando alguém questiona se a liberdade tem limites.

Em um dos textos mais antigos do blog, chamado Liberdade, eu defini o termo como "ter o poder de se limitar". Você pode fazer o que você quiser, mas não é isso o que te torna livre. O que te torna livre é a possibilidade de escolher limitar a si mesmo.
E é nisso que consiste a liberdade oferecida por Cristo quando ele diz: "e conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará" (João 8:32).
O problema em conhecer a Verdade para ser liberto é descobrir que você escolher livremente não te livra das consequências de suas escolhas - boas ou ruins.

E isso se aplica também à liberdade de expressão (que inclui a liberdade de imprensa). A melhor maneira de expressar isso é o velho ditado: "Quem fala o que quer, ouve o que não quer".

E esse é o preço que se paga pela opinião.
Eu posso acabar ouvindo coisas que não quero por estar dizendo isso, mas estou disposto a pagar o preço.
Engana-se quem ler isso e achar que estou defendendo que a morte brutal via terrorismo está incluída no preço a ser pago pela opinião.
A Verdade que defendo é também a Vida, e ela me diz que a morte é um salário que já foi pago e não deve ser pago por mais ninguém - nem mesmo pelos que acham que podem escolher tirar a vida alheia.

O preço da opinião é justamente ser criticado por ela. Ser rechaçado por ela, ser mal interpretado, ser perseguido, ou mesmo ser idolatrado pela "oposição" que não entende ironia.

O que me intriga é a imaturidade da opinião comum que diz defender a liberdade, mas tenta burlar as regras na base da pechincha.
Temos uma parcela conservadora e extremista da sociedade que se gaba de permanecer firme em princípios tradicionais, abrindo mão do maior Princípio de todos: O amor. Estes conseguem achar desculpas eloquentes para justificar o injustificável e defender que as vítimas de um atentado terrorista provocaram o que sofreram.
Assim também, temos o ativismo social disposto a lutar contra os dogmas que produzem preconceito, mas também abrem mão do amor e adora colocar culpas onde elas acabam sobrando para as poucas pessoas que conseguem o equilíbrio entre ser conservador sem ser intolerante.

Isso acontece justamente por que ao abrir mão do amor, tanto os dogmáticos quanto os militantes passam a enxergar um sistema, não enxergam as pessoas.
A consequência é ver os religiosos que deviam pregar o amor e a tolerância apontando dedos e julgando causas que não lhes pertecem e ver também um bando de gente nas ruas e redes sociais defendendo ao mesmo tempo a liberdade de imprensa e a depredação do prédio de uma revista considerada desprezível.

Ninguém quer pagar o preço da opinião. Ninguém quer enxergar que, mesmo que esteja certo, culpar sistemas e ideias não vai trazer nenhum progresso para a civilização. Foi atribuindo culpas que a religião matou milhares em nome de Deus e os movimentos seculares extremistas mataram outros tantos em nome do progresso e do racionalismo.

Defendem que devemos "atacar" ideologias e não pessoas. Mas a história prova que a linha entre fazer uma coisa e outra é uma teia de aranha que pode até ser resistente, mas é invisível e fácil de cruzar. Atacar nunca foi uma solução inteligente.
Provocar, talvez. É um recurso que funciona e pode ser utilizado para o bem, principalmente quando a mentalidade geral está adormecida.

Mas, historicamente, atacar e provocar só funciona superficialmente. Quem busca uma mudança real e efetiva deveria olhar mesmo que por alguns segundos, e mesmo que de forma crítica e racional, ao que pagou definitivamente o preço da liberdade.

Jesus foi morto, não por dizer a verdade, mas por SER a Verdade. Num mundo onde a própria Verdade é brutalmente assassinada sob a acusação de mentir, a melhor maneira de combater a intolerância, o preconceito e defender a liberdade, é enxergar as pessoas - por piores que sejam - como potenciais agentes da Verdade.

Cristo morreu por todos. E ele não morreu pelos cartunistas e jornalistas do Charlie Hebdo para que alguém desprovido de amor e de vínculos REAIS com a religião que professa viesse e matasse aqueles que receberam vida eterna gratuita através do sacrifício dEle.

Num texto genial sobre o ocorrido, a comediante Mhel Marrer disse: "esses caras não mataram em nome de nenhum profeta, nenhuma religião, não mataram contra nenhuma liberdade de expressão, mataram em nome de seu próprio ódio. E ponto." (Leia aqui o restante do texto).

Diante disso, eu abro mão da minha política e me reservo no direito de dar a minha cara a tapa ao dizer que se você acha que pode culpar diretamente a ignorância, os dogmas, as religiões e a cultura por uma corrupção que se deve ao Conhecimento do Bem e do Mal que herdamos e temos inerente em nós, você corre um sério risco de se tornar exatamente o que mais critica: um intolerante.
Quando você parar de enxergar um sistema falho ou uma sociedade "pecadora" e começar a enxergar pessoas que são tão falhas quanto você (e isso é uma das coisas que sustenta a nossa igualdade como seres humanos) você vai ver que o Amor pode ser oldfashioned e questionável nos padrões pós-modernos, mas é a arma mais poderosa contra a intolerância e o ódio - e consequentemente o terrorismo.

Só não tenha a ilusão de que existe amor sem uma definição antiquada do que seja o bem e o mal.
Relativize esses três conceitos, e metade dos seus argumentos para defender a igualdade e o respeito cairão por terra tão facilmente quanto você pode ser morto simplesmente por ser cristão, homossexual ou um cartunista. Ou simplesmente por estar vivo e ter uma opinião.




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