O Sublime Horror do Evangelho

Cena do filme "A Paixão de Cristo", amplamente criticado pela frieza e violência.


Em suas “Meditações para Maltrapilhos”, Brennan Manning diz que “A imaginação [...] domesticada agachou-se no berço, tremeu diante da salvação substituta de um Deus humilde, imprevisível. Um rei em trapos era um insulto para o intelecto finamente aguçado [...] e para a mente racional...” e ainda acrescenta que “O evangelho não é nenhum conto de Poliana para o inofensivo, mas um terremoto convulsivo, arrasador, um trovão que se propaga no mundo do espírito humano.

Ainda no campo das citações, ao cantar a música “Besprinkled In Scarlet Horror” (Em tradução literal “Regado no Horror Escarlate”) sobre a condenação direcionada ao rock com temática cristã e também sobre o julgamento feito sobre todo e qualquer tipo de arte considerada “agressiva”, a banda de thrash metal Tourniquet praticamente grita:

"Na tablatura eu escrevi
Se você chegasse no local
Do pavor escarlate do Calvário
Os medos fariam seus pés fugirem
e dar as costas ao sofrimento do nosso Senhor"
(Leia a letra na íntegra aqui)

Muitos acusam a religião, sobretudo o cristianismo, de criar em nós uma imagem romantizada das coisas, a querer que a religião nos devolva os contos de fada infantis e nos leve a uma realidade maravilhosa que resolva todos os nossos problemas e torne a vida um mar de rosas.
E isso é consequência de anos sob a romantização da igreja medieval sobre a figura de Cristo, logo em seguida, quando veio a modernidade, o desencanto com essa imagem levou as pessoas a enxergarem o cristianismo como um conto de fadas, e o pós-modernismo juntou isso ao fato de que além de ser ilusória, a religião cristã ainda apresenta um conto de fadas preconceituoso e repleto de separatismo.

Acontece que ao ler a Bíblia com um olhar maduro e racional, porém receptivo, é fácil perceber que a doutrina que acompanha o judaísmo e o cristianismo não trata absolutamente nada com romantismo – embora várias vezes se renda à poesia e à arte literária e trate com naturalidade coisas que para nós parecem cientificamente incorretas.
Além de não romantizar, a Bíblia também não se esconde atrás da bandeira do politicamente correto, não se faz mais leve ou comerciável para agradar a ninguém e não abre mão do ponto de vista que apresenta, não se rende à censura ou aos questionamentos, não questiona a veracidade dos milagres que relata, nem sequer entra no mérito de discutir a existência de Deus. Tudo o que ela apresenta, apresenta como fatos, e narra tais fatos ora com sensibilidade comedida, ora com frieza prática.

Mais do que isso: a mensagem central da Bíblia é o amor. Não o amor criado pelo romantismo cheio de floreios e palavras doces, ou mesmo o amor empírico discutido por Freud, mas o amor cru e profundo visto sob a ótica da cruz, que não por acaso vem a ser uma das mais terríveis e dolorosas penas de morte da história.

Diante de tremenda sinceridade, nudez e violência, os corações dos religiosos conservadores tremem de horror e os cérebros das mentes pós-modernas "livres" da religião zombam e acusam.

Mas, como destaca a música do Tourniquet ou o próprio Brennan Manning, o Evangelho é a forma mais pura de amor construída
 com base em um sacrifício cru e cruel, que não só choca, como constrange.
A Verdade literalmente nua e sangrando mostrando o que há de pior na humanidade e o que há de melhor no Deus que a criou, estabelecendo um paralelo que finalmente se cruza na aparente impossibilidade da ressurreição.

No meio do paradoxo criado quando aquele que é a Ressurreição e a Vida morre em favor dos seus assassinos, encontra-se o sublime horror do Evangelho: um amor tão louco, inexplicável, sem limites e incondicional que não tem vergonha de se mostrar, não abre mão da própria extravagância e não se encolhe diante da nossa incredulidade e ceticismo 
- oferecendo audaciosamente a solução definitiva para a inevitável morte.
Antes, este Evangelho nos abraça ternamente e mostra sua face mais bonita quando menos esperamos acreditar nEle. 

Comentários

  1. A Bíblia é uma biblioteca, né? Tem elementos do romantismo, do realismo até do goticismo. -q Adorei o texto, xôn!

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