Sopro no Pó - Uma Carta pra Você


Para ler Ouvindo: Isso é Amor (Vocal Livre), I Am (Theocracy), Há um Deus (Felipe Valente), Cirineu (Alessandra Samadello), Acrobata (Igl3sias), To My Surprise (Eowyn), Abracadavers (The Classic Crime),  O Pior do Homem, O Melhor de Deus (Novo Tom), Veio até Mim (Quarteto Está Escrito), Este é meu Filho (Cantata Vivo Está), Herralle Kiitos II (HB), Ele Vive (Leonardo Gonçalves)

Eu deslizei um dedo após o outro pelo pó.
Úmido, ele tomava forma na palma da minha mão.
Cada milímetro, cada curva, cada particularidade.
Eu não poderia explicar pra você como isso funciona na sua linguagem.
Era apenas um. Mas nele eu via todos.
Inclusive você.

Você é bem diferente dele, obviamente. São milênios que separam vocês, mas funciona diferente pra mim. E eu pensava em você também quando o formei.
A cor dos seus olhos e o brilho do seu sorriso.
Se eu sabia que você sentiria dor, mágoa, que choraria e perderia queridos?
Sabia.
Mas não podia suportar a ideia de não te trazer à vida.
Eu precisava arriscar, precisava que você soubesse que eu te amo.
Então assoprei nas narinas dele.
Meu sopro é diferente do seu, mas ainda assim é o mesmo.
Você inspira e expira o que eu assoprei nas suas narinas. Meu sopro é vida, o seu te mantém vivo. Mas respiramos o mesmo fôlego.
Desde o dia em que ele recebeu de mim sua forma.
Naquele momento, junto com meu sopro, penetraram nele todas aquelas informações guardadas sequências de proteína.
O seu cérebro encheu-se de oxigênio, e todas as suas sinapses transmitiram meu sopro ao coração que começou a bater e bombear sangue. Veio uma bela cor às suas faces e seu pulmão se encheu com meu sopro.
Quando eu o moldei, eu já pensava em sua parceira. Também feita à minha imagem e semelhança. Mas diferente dele.
Pensei desde o início na dependência, na necessidade que eles teriam um do outro. Por isso o deixei um tempo sem ela. Eu COLOQUEI a necessidade de relacionamento. Com outros e comigo. Eu sou relacionamento e vocês são extensão dele.
Porém, por amor, e unicamente por amor, permiti que você escolhesse ser o que foi criado pra ser ou não. Afinal, não queria uma marionete.
Coloquei lá uma árvore e dei-lhes a escolha: “Vocês podem escolher viver eternamente comigo aqui no jardim, ou podem escolher o mal, escolher não viver comigo, mas então estarão se desligando de mim, e deixarão de existir. Morrerão.”
Infelizmente alguém já havia escolhido não viver eternamente comigo.
A primeira criatura que escolheu a morte e que ainda está viva apenas para que mostre sua verdadeira face de acusador no final, evidenciando que meu amor é a melhor opção.
E ele estava lá também.
A serpente.
Você não imagina a dor que eu senti ao ouvir a mordida de Eva e depois a de Adão.
Não havia veneno na fruta. Era apenas um símbolo de confiança.
Meu sopro ainda estava neles, mas a minha vida não. Eles haviam aberto o que a mitologia chamou de Caixa de Pandora. Essa caixa, porém tinha um contador regressivo, em direção à morte e à decadência.
Foi como se alguém cortasse de mim um pedaço.
Mas meu amor por eles e por você era grande demais para deixar meu reino criado com amor todo nas mãos do Inimigo das Almas.
A separação era dolorosa demais pra mim e também pra eles.
Mas eles haviam se desligado de mim e ligados ficaram ao Inimigo.
Amaldiçoei a serpente. E determinei que a descendência da Mulher se tornasse inimiga da descendência da serpente e logo dei um jeito para que você se tornasse meu amigo de novo.

A morte chegou cedo. Não foi sem tristeza que recebi de volta o primeiro sopro devolvido pela terra. Sopro tenro e jovem de Abel, que soprara com amor, voltou pra mim como a primeira confirmação de que a minha vida não residia mais naturalmente na humanidade.

Então chegou o dia.
Ela era jovem e aceitou de prontidão meu chamado. Ela reconhecia meu fôlego nela. E ela aceitou me receber fisicamente em seu ventre. Foi um sopro forte.
Quando o cordão umbilical – outro símbolo de dependência, que permanece em você até o fim – foi cortado e eu soprei novamente o fôlego, foi diferente.
Eu estava trazendo a mim mesmo a vida.
Eu estava ali naquele corpo frágil, humano, geração do pó.
A Palavra que criou o pó, contida nele.
A mãozinha fechada contendo o amor. A outra aberta, abrindo mão da divindade.
Era eu, separado de mim mesmo.
Por 33 anos inteiros fui pó, fui carne, fui homem de dores, pisado, moído.
Tive que aprender a depender de mim mesmo como se fosse outra pessoa.
Com fé, pura fé, sem enxergar tudo, e sem reivindicar meu infinito poder de Deus.
Senti tudo o que você sente, bom e ruim. Tive que, assim como você, ajoelhar-me perante mim diversas vezes para pedir força e sabedoria – coisas que normalmente eu não precisaria pedir pois fazem parte de quem sou.
Senti dor, fui traído, humilhado, decepcionado.
Ao final desses 33 anos eu experimentei o ápice da separação.
Minha contagem regressiva. Eu que vivendo na eternidade, vivo fora do tempo do relógio e dos calendários, me submeti a contagem regressiva da humanidade separada de mim.
Naquele dia, todos os pecados – toda a separação e rebeldia humana que nos separava – estava sobre meus ombros e perguntei a mim mesmo: “Pai, por que me abandonaste?” Tamanho era o peso da separação. Entreguei a mim mesmo meu sopro. Recebi meu próprio fôlego de volta, e uma parte de mim, um de nós três, se silenciou.
O silêncio mais profundo de todos.
Eu morrera.
Eu, a ÚNICA fonte de TODA a vida, morrera.
O que me ajudou naquela jornada foi o amor completo, inteiro e incondicional que tenho por você. Se não fosse isso, eu teria desistido talvez falhado.
Mas eu morri. Porém, morri sendo Deus, e também morri sendo um ser humano, nascido num mundo de pecado, sob a minha própria Lei e sob minha própria maldição. E não sucumbi a ela. Não pequei.
E por isso, ao terceiro dia, depois do silêncio completo no sábado, recebi de volta meu fôlego.

Agora estou olhando pra você ansioso.
Agora o trabalho foi feito, consumado.
Você tem minha presença de novo se quiser e um dia todo o pranto que está passando será enxugado pelos mesmos dedos que moldaram o barro.
Estou aqui de novo, perto, correndo atrás de você, apaixonado, disponível.

As cicatrizes que permaneceram e permanecerão pra sempre em minhas mãos e pés doem profundamente quando eu te vejo escolher separar-se de mim de novo. Quando você usa nosso fôlego pra dizer coisas que me ferem.
Eu já não suporto mais ser machucado por você, mas não conseguirei te rejeitar. Te perdôo todas as vezes, pois morri de uma vez por todas e todos os seus pecados estão perdoados.

Se você ainda pensa que você não terá forças para chegar íntegro no dia em que marquei para te abraçar, tenha em sua mente que nós dois sofreremos com isso, saiba que você não precisa se angustiar com quem você é ou faz, por que eu já fiz tudo por você, eu vivi e morri por você, assim como também te criei, então sei exatamente quem você é e do que é e não é capaz.
Pra que se preocupar com a vida, se EU sou sua vida?
Se eu sou seu Cordeiro e seu Pastor, seu Sacrifício e seu Sacerdócio?
Se sou seu Criador e Salvador?
Não se preocupe com quem você é ou parece, por que EU que te digo quem você é: Você é Filho, Herdeiro do meu Reino, Obra de Minhas Mãos, Portador do meu Fôlego, Alvo do meu Eterno Amor.

Quer conviver bem comigo e consigo? Reconheça que você é pó, e que o que mantém esse pó vivo é o meu fôlego, o fôlego divino que você carrega dentro de você.
Dei a você o meu sangue para nos religar.

Desci até você para te oferecer, sem custo pra você, a oportunidade de receber meu amor. Você me amaria também?

Ass.: Deus

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