Vende-se Deus



“Você dá dinheiro pra enriquecer seu pastor?”
É uma das perguntas que mais ouço quando digo que sou cristão e freq  uento uma denominação protestante.
Eu sempre respondo que não.
“Mas você não devolve o dízimo?”
Eu sempre respondo que sim, devolvo.
Geralmente ficam sem entender ou debocham.
A verdade é que criou-se uma crença generalizada de que dízimos e ofertas são estratégias utilizadas para enganar fiéis e enriquecer líderes religiosos. E isso, em grande parte, é culpa de líderes e denominações protestantes que insistem em pregar e praticar o que é conhecido como a “Teologia da Prosperidade”.

Funciona de um modo bem parecido com o sistema de indulgências que a Igreja Católica utilizava na Idade Média, só que bem mais sutil e aparentemente aceitável. Eles VENDEM as bênçãos divinas como se fossem itens de um leilão. Quem dá mais, leva mais.
Vendem bênçãos, vendem a salvação, tentam vender o próprio Deus e a imagem que fazem dele.
Mas não é assim que a doutrina bíblica funciona. E não é assim também que todas as instituições religiosas funcionam.
Falando pela instituição da qual faço parte, por exemplo: é uma organização mundial onde os pastores são empregados e recebem salários fixos, portanto os próprios pastores não tem como faturar grana. O dinheiro do dízimo nem passa por eles e sim pelos tesoureiros nomeados. O modo como tudo é feito pertence a um sistema tão bem organizado que é muito difícil de burlar. Eu tenho recibos de todos os dízimos que devolvo e posso escolher para que fim serão usadas as minhas ofertas. Periodicamente temos prestação de contas. Além do salário dos pastores pagos pela Associação Geral, são construídas igrejas em lugares menos abastados, as igrejas são reformadas, a mensagem é pregada, são enviados obreiros, são construídas escolas e um ministério específico, reconhecido e registrado mundialmente realiza muitas obras de ação social. Mas divago.
O que quero falar aqui diz respeito à Bíblia.
Um dos textos mais utilizados para falar sobre os dízimos e as ofertas está em Malaquias 3:7-10:

Desde os dias de vossos pais vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós, diz o SENHOR dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar?
Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas.
Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação.
Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes.”

Pra mim, isso já basta.
Toda organização, causa ou movimento organizado, com ou sem fins lucrativos precisa se manter, e esse é o aspecto funcional dos dízimos e ofertas. E a omissão desse aspecto é biblicamente condenável.
Mas esse princípio financeiro dentro do cristianismo vai muito, muito além da funcionalidade. Isso implica a experiência espiritual do INDIVÍDUO. A sua experiência PESSOAL com Deus.
Faz parte da liturgia do culto na minha igreja, uma pequena reflexão bíblica antes do momento de recolher os dízimos. E eu gosto muito das reflexões altamente criativas e teológicas que o meu amigo responsável por esse momento na minha comunidade faz. Numa das últimas semanas ele fez um link fantástico entre dois textos bíblicos que me inspiraram a escrever este texto.
Muitos usam o texto que diz “Dá-me, filho meu, o teu coração” - e outros que dizem coisas parecidas - para justificarem a omissão espiritual no aspecto financeiro dizendo que Deus pediu apenas o nosso coração e mais nada. E é exatamente isso, só que nosso coração e mais nada significa nosso TUDO. E esse amigo disse que procurou algum texto que ligasse isso à doutrina dos dízimos.
Então deparou-se com Mateus 6:19-21.

“Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde os ladrões escavam e roubam;
mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói e onde ladrões não escavam nem roubam;
Por que onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.”

E pronto.
O segredo está aí.
Deus não precisa do seu dinheiro. Ele não precisa nem de todos os salários que você já ganhou na vida juntos, quem dirá apenas 10% deles. Durante todo o tempo em que se fala de dízimo na Bíblia, não está se falando em doar dinheiro pra Deus. Isso é tudo sobre DEVOLVER uma parte do dinheiro que Deus te deu como forma de gratidão. Está falando de SE doar pra Deus e para o próximo que precisa mais do que você. Está falando de criar desapego ás coisas materiais às quais Mateus se refere como “tesouros na terra”.
Deus não está falando que não podemos ser prósperos financeiramente, que não podemos criar uma estabilidade financeira aqui na Terra. Ele está falando que isso não é o mais importante, por que o que tem guardado pra gente é muito melhor e mais duradouro.
O ato de devolver o dízimo e doar as ofertas vai além de manter a funcionalidade e mesmo de ajudar ao próximo. Dízimo trata-se de um ato de fé – você confia plenamente que Deus não lhe deixará faltar nada -, de adoração – você está reconhecendo que Deus é maior e melhor do que você – e gratidão – você reconhece que por ele, e só por Ele você consegue sobreviver.
Agora, se a organização, o tesoureiro ou o pastor desviam o dinheiro, eles que vão sofrer as consequências. Da minha parte eu escolho não roubar a Deus e nem tentar vender o seu nome.
A respeito de sua visão sobre isso eu nada posso fazer nem dizer a não ser te perguntar retoricamente: onde está o teu tesouro? Onde está o teu coração?

Comentários

  1. *------------* Como pode ser tão *-*?

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  2. cara, me revolta um pouco esse assunto, me deixa um pouco desesperançoso em relação ao evangelismo.... mas de qualquer formar o melhor a fazer é continuar com o ato de fé do dizimo

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    1. Ahh o assunto em si nao me revolta. O que me revolta sao os "vendedores de Deus" que acabam por arruinar boa parte da imagem dos cristãos perante a sociedade. Mas as consequencias sao severas. Lembro-me bem do episódio em que Jesus expulsa os mercadores do templo...

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