Nem só de morte viveu Jesus: a importância do nascimento

Birth Undisturbed - Miss Aniela

O Natal geralmente é marcado por belos musicais e pelos presépios que representam a grande aventura de José e Maria para o nascimento de Cristo - geralmente romantizados, ninguém lembra como currais podem ser sujos ou como partos podem ser difíceis de assistir pra muita gente, cheio de placenta e sangue numa época onde não existia piscina de plástico para partos humanizados nem muitos produtos sofisticados de higiene e esterilização.
No fim, o Natal parece importante simplesmente por que foi o a concepção milagrosa e o nascimento inusitado de Jesus, que viria a crescer, ter um grande ministério para no fim morrer pelos nossos pecados e nos resgatar. Pouco se elabora a respeito da importância teológica do nascimento de Cristo e o que ele vir como filho nascido de mulher representa para a humanidade.
Tudo começa em Gênesis.
Uma das principais funções da humanidade na Criação é crescer e multiplicar (Gênesis 1:28). Essa capacidade de reprodução é entendida como uma das características da imagem de Deus no homem e na mulher. Essa característica é claramente manchada em Gênesis 3, mas essa consequência vem acompanhada da promessa de Gênesis 3:15 de que a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente.
Essa promessa é detalhada e ampliada nas narrativas do Pentateuco principalmente através da aliança de Deus com Abraão e Sara (leia mais a respeito aqui) e também no Êxodo e na libertação do povo de Israel do Egito.
Toda a narrativa do Êxodo possui um foco na filiação do povo de Israel como primogênito de Deus. A praga dos primogênitos é prometida a Faraó  (Êxodo 4:22-23) pois Faraó está oprimindo o primogênito do Senhor. Em Êxodo 12 e 13, quando a praga finalmente é executada, há um apelo forte para a conservação da memória da páscoa, o ritual que salva o povo de Israel. Fica claro que, apesar de todas as promessas relacionadas à descendência de Abraão, o que faz com que o julgamento de Deus não caia sobre o povo de Israel não é o sangue de Abraão correndo em suas veias, mas sim o sangue do cordeiro sacrificado sinalizado nas portas das suas casas.
No capítulo 13 há ainda um ritual ligado à consagração dos primogênitos. O direito dado aos primogênitos era algo importantíssimo no Antigo Oriente Médio, mas ganha contornos mais específicos e conectados ao significado de Gênesis 3:15 na Bíblia.

Essa linguagem permanece presente no Novo Testamento. Paulo destaca a primogenitura de Cristo como o pivô para a filiação do povo de Deus - inclusive como o primeiro dos ressurretos: ele é o primeiro para que os outros venham. O apóstolo também vai destacar, seja em Gálatas 3 ou Hebreus 10-12, que o cumprimento da aliança com Abraão em Cristo torna todos aqueles que aceitam o Messias parte da promessa feita em Gênesis.

Mateus destaca a ascendência real de Cristo com base nas alianças feitas no Antigo Testamento, começando por Abraão. Lucas vai mais longe e chega em Adão. Ambos destacam a natureza miraculosa do nascimento de Cristo, gerado na virgem Maria, mas descendente da promessa através da linhagem real de José. O Evangelho de João, que, ao contrário de Mateus e Lucas, não narra o nascimento, mas vai mais longe ao destacar Cristo como o logos (palavra, ideia, discurso, ensinamento, questão, coisa etc), fazendo uma conexão com a davar (palavra, coisa, algo, objeto, questão, assunto etc) criadora de Gênesis. Jesus é a Palavra que se fez carne e habitou entre nós (João 1:14).

Assim como a sua morte imerecida substitui a nossa morte natural, fazendo com que sua ressurreição também signifique a possibilidade da nossa, o nascimento de Cristo é também um emblema profundo da reconciliação do Criador com a humanidade.
A concepção miraculosa que não depende da humanidade é um sinal claro de que Cristo não era comum, não era um ser humano como nós. Era seu traço divino, o sinal de que ele era a Palavra Criadora, que nos reconecta com o Pai.Uma natureza humana que não necessitava de um salvador, como a nossa.
Mas ela contrasta com os elementos mais humanos do seu nascimento, brutal, em local inadequado, descendente de uma promessa que se cumpre a partir de seres humanos falhos como nós. Apesar da divindade e natureza não corrompida, Jesus é humano, nascido humano, com um passado e herdeiro de um legado outrora estabelecido por ele mesmo.

Assim como a morte trágica, violenta e injusta de Cristo, seu nascimento é parte crucial da expressão máxima perdição humana e de quão longe Deus está disposto a ir para salvá-lo. É também uma expressão da misericórdia divina ao incluir a humanidade ativamente em seus planos, não apenas usando sua própria criação para resgatá-la, mas também fazendo com que os seres humanos entendam que o processo de salvação é um constante esforço divino em busca do homem. Um esforço não apenas prometido, mas bem sucedido, finalizando a sentença proferida com a Serpente em Gênesis 3.

A história do nascimento de Cristo não é uma história bonita do Novo Testamento. É uma história de luta e guerra que se inicia juntamente à história da humanidade e à constituição de quem nós somos hoje. Entender tudo o que envolve o nascimento de Cristo implica entender quem somos nós e quem podemos ser: filhos de Deus, graças à primogenitura dEle feito um de nós.

Feliz Natal.

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