Temporal: existem tempestades que apenas destroem ou todas nos consertam?


Embora não seja absolutamente necessário, ouvir a belíssima canção "Temporal" do álbum "Azul" da banda O Bairro Novo talvez te ajude a compreender o contexto (ouça aqui e leia a resenha do álbum aqui).
É necessário você saber também que certa amiga minha questionou o conteúdo dessa música, fez uma das perguntas que inicia a reflexão abaixo:

De um lado ouvi: "a tempestade que destrói não é também a que nos molda?"
Do outro: Nunca vi temporal que conserte algo. Apenas que destrói.
Fiquei pensando, confesso, com quem concordaria, se concordei com os dois.

Eu ainda era uma criança quando assisti o filme Twister. Pra quem nunca viu, de forma beeeem resumida, é sobre um grupo de cientistas que perseguem tornados. Desde que assisti esse filme, tornados se tornaram meu terror e fascinação. Não sei se pela postura dos personagens do filme perante eles ou se sua natureza majestosa e terrível.
Até hoje tornados povoam meus sonhos e, em todos eles, eu preciso fugir e me esconder, mas não consigo parar de observá-los.
O curioso é que meu maior medo não era de morrer. Era de perder tudo o que eu tinha. Meu computador, meus desenhos, meus livros, meus quadrinhos e, claro, meus pais, parentes e amigos.
Mais assustador do que morrer era permanecer vivo e recomeçar tudo do zero.
Jó teve uma dessas tempestades destruidoras que lhe tirou tudo. A tempestade dele apenas destruiu. E, por mais que muitos tentem encontrar um sentido na tragédia de Jó, como uma discussão sobre a justiça divina, eu só consigo parar de pensar que o livro de Jó é justamente sobre o "não sentido" do sofrimento. Jó não é transformado na história, ele permanece justo e reto e se desviando do mal, desde o início. Jó não traz respostas, mesmo que haja um tipo de restauração temporária ao final de suas crises.

Enquanto a chuva cai e os ventos chacoalham, a esperança que nos resta é justamente a esperança do temporal. Da sua natureza temporal. Ele vem, destrói e passa, deixando a bagunça, a perda e o trauma que permanecem por muito tempo antes que venha a calmaria, também temporal, que aguarda, tensa, o próximo tornado.
Mas, se sobrevivemos, permanecemos, ainda que temporais.
Então me lembro que, na Palavra que permanece há sim o outro lado...

O fogo que purifica o ouro.
O vaso quebrado.
A morte necessária para o renascimento.
A transição é radical.
Tão radical que penso: não sou eu uma força destrutiva? Não sou eu um tornado que destrói tudo à minha frente? Não sou eu mesmo que, frequentemente, destruo o que tenho?
Não deveria ser eu o redemoinho caçado e desfeito?

A tempestade, o temporal, o tornado, são a fúria da natureza. Manifestações de um mundo que, sem pecado, seria nosso, talvez o governássemos e a natureza nos obedecesse. Mas essa fúria é uma lembrança de qual pequenos, frágeis e suscetíveis nos somos, apesar de sermos minúsculos temporais que causam estragos catastróficos.
O temporal que eu sou me lembra que eu também destruo. Então posso concordar com a canção. Só me conserto quando sou destruído. Só sou quando a nada sou reduzido.
Mas sigo sendo.
E agora?

Agora permanece a fascinação pela majestade do temporal que me reduz.
Belo é aquele que derrete o topo dos montes.
Que venha o temporal teofânico do Sinai, destruir o tornado barulhento que sou, consertando-me até me tornar todo ouvidos.

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