Rock cristão: filho pródigo ou bastardo?

Nota: Esse texto reunirá algumas informações já discutidas em textos anteriores do blog, feitos para o dia do rock, para fins didáticos e acrescentará novas informações a estas.

Para Ler Ouvindo: Playlist "God Gave Rock'n Roll to You", com 100 clássicos do rock e do heavy metal cristão de artistas importantes para a cena. A primeira parte é internacional, as 15 ultimas músicas são clássicos do rock cristão nacional.

Estava o Kiss certo ao cantar que Deus concedeu rock'n roll como uma bênção a todos?
Desde que o gênero surgiu, muito se discute sobre a paternidade do rock'n roll e seus inúmeros subgêneros. A frase mais ouvida pelos brasileiros é "O diabo é o pai do rock", graças a uma música do Raul Seixas. No decorrer dos anos após seu surgimento, o rock se tornou um símbolo de rebeldia e resistência contra o conservadorismo, sobretudo na ascensão da contracultura hippie nos anos 60 e 70. Como o status quo envolvia a religião cristã, muitos artistas não só queriam se distanciar do cristianismo, mas fazia uma associação de imagem com figuras anti-cristãs, chegando mesmo a adotar toda uma identidade visual ligada a cultos satânicos.
Mas também não é segredo pra ninguém que as raízes da música gospel norte-americana e do rock se confundem e estão intimamente ligadas uma a outra. E foi baseando-se nisso que muitas bandas de rock cristão surgiram nos anos 70 e 80 e se colocaram no meio do tiroteio: de um lado, os "roqueiros" que abominavam a ideia de uma banda que unisse o estilo transgressor deles com mensagens do cristianismo conservador, do outro os cristãos conservadores que abominaram a ideia de se misturar a sagrada mensagem divina com o profano rock'n roll.
Isso fez com que o rock cristão se tornasse, por muito tempo, um estilo underground, oscilando entre dois pólos que sequer se davam ao trabalho de perguntar de quem a música rock com letras cristãs era filha realmente. Afinal, o rock cristão é um filho pródigo de Cristo ou um bastardo do Diabo?


Essa discussão é muito mais complexa e cheia de tons de cinza do que se imagina, pois ela envolve discussões sobre influência da música na mente, ligações e raízes culturais, transformações de significado, envolve o julgamento das intenções de pessoas (uma atitude definitivamente não-bíblica), influência da cultura vigente - incluindo viés racista, machista e legalista - para o mal ou para o bem, discussões sobre música dentro do cristianismo (que são complexas por si só e envolvem milhões de outros assuntos mais complexos ainda, como adoração a Deus). Ou seja, é mais do que um simples texto especial do dia do rock consegue abordar sem virar um livro.
Por isso, aqui eu vou focar no processo histórico do rock em geral e do rock cristão (que é basicamente a mesma sonoridade do rock "secular", com letras que tocam em assuntos cristãos), como aspectos sociais e religiosos se chocaram para criar essa resistência que, mesmo hoje, provoca polêmica.


Elvis Presley, considerado Rei do Rock, ao lado de Bill Haley, um dos pioneiros

A História Já Conhecida do Rock'n Roll


A maioria dos textos sobre rock que você lê na internet começa citando blues, Rythm & Blues e country como influências e embriões do rock'n roll, citam Bill Haley and the Comets com sua "Shattle, Rattle and Roll" e, principalmente, aquele que recebe o título de Rei do Rock, Elvis Presley. Essa história foi repetida diversas vezes no decorrer dos anos. E não é difícil acreditar nela: Elvis Presley foi o primeiro fenômeno mundial do rock'n roll. Aí vieram os anos 60 e 70 trazendo a contracultura hippie, o sex, drugs and rock'n roll e os Beatles e toda a imagem de rebeldia e protesto ao status quo que o gênero carregou por décadas. Como todo gênero musical, obviamente o rock não permaneceu o mesmo. Do rock'n roll saíram inúmeros subgêneros: hard rock, punk rock, pop rock, rock progressivo, rock alternativo, hardcore, heavy metal, metal melódico, metal progressivo, power metal e por aí vai.
Do Queen ou do Rolling Stones o rock transgressor já provocava horror nos cristãos conservadores. Entre os anos 70 e 80, a ascensão do hard rock e do heavy metal veio para horrorizá-los mais ainda. Os próprios artistas já se associavam à violência do seu som e as bandas mais proeminentes - Black Sabbath, Iron Maiden, AC/DC, Kiss, Led Zeppelin - criaram para si uma imagem completamente anti-religiosa e cristã que enaltecia simbolismos do gore, da violência, do satânico, do anti-religioso.

Durante todo esse período que compreendeu os anos 50 ao início dos anos 90, com todos os seus sub-gêneros, o rock esteve no mainstream passando por altos e baixos, mas lado a lado com sucessos do pop e de outros estilos que hoje são mais populares. Cada subgênero e artista abordando temas complexos, indo desde as dores e alegrias do coração até protestos ferrenhos contra a sociedade, a guerra, o conservadorismo e a opressão religiosa.
No Brasil não foi diferente. Desde a Jovem Guarda, passando por Raul Seixas, Legião Urbana, até chegar no Sepultura e nos Mamonas Assassinas, o rock também dominou as paradas de sucesso brasileiras com bandas dos mais variados subgêneros, do pop ao heavy metal.

Não seria Chuck Berry o verdadeiro Rei do Rock?

A História Não Tão Conhecida do Rock'n Roll


O que pouca gente que não é fã do gênero sabe, é que, com um pouco mais de pesquisa, muito dessa imagem mainstream do rock pode ser desmistificada.
A primeira coisa a ser desmistificada é a imagem do Elvis como Rei. Esse título pode ser concedido a ele pela popularização. mas não pela criação do rock. Rock'n roll é basicamente música negra, do gueto e que, mesmo antes das baladinhas românticas do Elvis, já falavam de problemas sociais. Apesar da influência do country em sua forma final, o rock herdou do blues e do R&B suas principais características. Há quem diga que Elvis Presley foi a maneira que os produtores encontraram de vender música negra para os brancos - com um branco que se encaixasse no padrão de beleza cantando sobre temas inofensivos à sociedade (e ainda assim o rock "sensual" do Elvis escandalizou muitos). Essa situação, inclusive, coloca Elvis como um dos maiores exemplos de apropriação cultural (que através do branco populariza algo que é cultura negra, mantendo o negro marginalizado), uma vez que caras como Chuck Berry e Little Richards já estavam na cena com sua música mais pesada e tão boa quanto - ou melhor.

Outra coisa a ser desmistificada é a distância abismal entre o rock secular e o cristianismo, e essa barreira pode ser quebrada desde os primórdios até os dias atuais.
Elvis Presley, Johnny Cash e Bob Dylan fizeram um grande sucesso como artistas de rock/country/folk, mas Elvis teve uma fase gospel em sua carreira, Bob Dylan possui belíssimas músicas com temática cristã e Johnny Cash sempre cantou músicas de cunho religioso durante sua carreira. Dave Mustaine e David Ellefson, respectivamente vocalista/lider e baixista da banda de thrash metal Megadeth, se converteram ao cristianismo e chegaram a gravar músicas com temática cristã para os seus álbuns e parar de tocar músicas do seu repertório inicial que blasfemavam contra Deus. Para a surpresa de muitos, Alice Cooper também é cristão praticante e mesmo figuras relacionadas à imagem satânica do rock, como o baterista do Iron Maiden, Nick McBrain e o próprio "Príncipe das Trevas" Ozzy Osbourne se consideram católicos devotos e praticantes - o que é surpreendente, levando-se em consideração a construção que fizeram da sua imagem. Falando de bandas mais recentes, a banda - geralmente associada a imagens obscuras - Evanescence gravou seu primeiro EP com o selo de uma gravadora cristã, que era contato da vocalista e líder Amy Lee, declaradamente cristã. Brian Head, guitarrista da banda KoRn, deixou a banda de lado por um tempo ao se tornar cristão e querer se afastar do mundo das drogas e do sexo que as letras da banda pregavam, mas após a conversão de outro membro da banda, Reginald Arvizu, ele retornou à banda e ambos viram uma oportunidade de pregar para os fãs não cristãos deles - e eles realmente fazem isso. Dan Reynolds, vocalista e letrista da banda de pop rock alternativo Imagine Dragons, talvez a maior da atualidade, é da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, e volta e meia suas músicas, sempre com mensagens positivas, refletem temas espirituais.
E, no fim das contas, a maioria das bandas de rock e heavy metal dos anos 70 e 80, mesmo as que tinham o som mais pesado e "violento" sempre carregaram mensagens de crítica à intolerância, à guerra e à violência (!).

Essas informações já acrescentam tons de cinza à discussão sobre rock e cristianismo. Afinal, é difícil olhar para um gênero musical cuja cena desde os anos 60 é predominantemente ocupada por artistas brancos - produzindo, mais tarde, inclusive subgêneros de versões distorcidas neo-nazistas da cultura skinhead - e imaginar que sua raiz está na música negra, inclusive música negra gospel.
Assim como é estranho assistir a um clipe do Alice Cooper ou escutar a sonoridade thrash metal do Megadeth e imaginar que tais artistas leem suas Bíblias todos os dias e oram de manhã, de tarde e de noite - e isso se reflete muitas vezes na música "suja" deles. Principalmente para nós, brasileiros, que, ao contrário dos norte-americanos, temos poucos cristãos protestantes gravando músicas seculares - um tabu muito maior no Brasil - isso realmente é estranho.
E a maioria deles usa sua influência para o bem, fazem questão de levar boas mensagens aos fãs, criam ONGs e organizações de caridade para direcionar o dinheiro que ganham, dentre outras "boas obras" (já que alguns amam o argumento do "pelos seus frutos os conhecereis" pra julgar o diferente). Mas podemos mesmo julgar as intenções e a vida espiritual de artistas que, querendo ou não, acabam levando a mensagem a outros?


A História Quase Nada Conhecida do Rock'n Roll

O que muita gente, mesmo fãs do gênero, não sabe é da história por trás da história pouco conhecida.
Como os exemplos dados nos parágrafos acima mostra, um dos maiores erros que as pessoas cometem é o da generalização. O preconceito e a generalização fizeram com que pessoas que não tem contato com o mundo dos headbangers (termo usado para designar fãs do heavy metal que "batem cabeça") criasse uma imagem ruim dos "roqueiros". Da mesma forma, a imagem que a mídia norte-americana dos anos 70 e 80 criaram do cristianismo só mostrava uma faceta da religião.
Os anos 70 testemunharam a ascensão do fundamentalismo cristão norte-americano, que, com suas boas intenções e má informação, foram parar na mídia levando para as televisões e até mesmo para a política, uma visão intolerante, separatista e pouco amorosa em relação aos grupos minoritários da sociedade - além de marcarem também a popularização da teologia da prosperidade. Essa nova forma fundamentalista do cristianismo era apenas uma revisitação ao que os Estados Unidos sempre testemunharam com sua herança puritana, que sempre ressurgia em reação ao que a "sociedade secular" andava fazendo e era exatamente ela a face do cristianismo vista pela sociedade.
Foi exatamente essa face da religião cristã que fomentou a separação entre uma coisa e outra, que provocou todas as críticas feitas à ela por parte dos artistas e seguidores do rock e que fez com que um "odiasse" o outro de forma tão ferrenha por tanto tempo.
E esse "ódio" - juntamente com outras coisas - escondeu dos olhos do grande público a história de amor do rock cristão que acontecia por todo esse tempo "embaixo dos panos".


O rock cristão também tem um "Rei", que não é tão popular ou conhecido como Elvis Presley, mas é tão genial quanto - ou mais! Conhecido como o pai do rock cristão, Larry Norman era aquela figura peculiar de um homem muito louro com cabelos grandes e conversa "brisada". Seu primeiro álbum, Upon this Rock, é considerado o primeiro álbum gravado de rock cristão e foi lançado em 1969 cheio de letras e músicas de uma criatividade notável, mensagem clara, direta e que estabelecia uma ótima "resposta" à cultura do "sexo, drogas e rock'n roll" do seu tempo, falando de salvação, da superioridade da revelação divina sobre a moda esotérica da época (dê uma espiada na música Forget Your Hexagram), dentre outros temas relevantes sob a ótica cristã. Norman chegou a gravar no estúdio AIR do George Martin na mesma época em que os Beatles gravavam Live and Let Die na sala ao lado, e seu álbum  "Only Visiting this Planet" de 72 foi gravado lá e chegou às listas da Billboard. Reza a lenda que o próprio Paul McCartney o conheceu e disse em entrevista que Norman poderia ter sido um dos mais significativos artistas dos anos 70, se ele não se restringisse a temas espirituais.
Dizzy Reed, guitarrista do Guns n'Roses gravou com Norman em seu álbum de 1998, Copper the Wire. Só pra ter ideia de como ele é grande, apesar de pouco conhecido.

Norman é de uma época onde um fenômeno muito interessante aconteceu no mundo underground dos jovens cristãos norte-americanos. A geração hippie, da paz e amor, do rock'n roll, do esoterismo, das roupas coloridas, do "vamos viver de abraço", abandonou a religião cristã opressora e intolerante norte-americana e desafiou os padrões, estabelecendo-se como uma das - se não A - mais populares contraculturas do século 20.
O que poucos sabem é que jovens cristãos olharam para essa movimentação e pensaram que eles tinham boas intenções e suas críticas eram válidas e resolveram criar uma contra-contracultura. Parece confuso, mas é basicamente como se eles tivessem pegado a subversão do movimento rock'n roll e o subvertido mais uma vez em algo novo, com rock'n roll, mas substituindo o sexo e as drogas por Cristo e uma mensagem positiva. Esse movimento ficou conhecido como Jesus Movement e seus seguidores ficaram conhecidos também como Jesus Freaks - e ele se popularizou não só nos Estados Unidos, mas também na Alemanha.


Questionando tanto o status quo mantido pelo cristianismo quanto a própria sociedade que havia sucumbido aos vícios e esquecido de Cristo, o rock cristão refletiu não apenas o Jesus Movement, mas também o anseio dos jovens cristãos de fazer diferença na sociedade de sua época.
Por isso, caras como Larry Norman tinham músicas que faziam apelos à juventude rebelde da época, como Why Don't You Look Into Jesus, que questiona o estilo de vida rock'n roll ("você acha que o rock'n roll vai te libertar, mas desse jeito você vai morrer antes dos trinta e três") e também músicas que apontavam a intolerância e hipocrisia do fundamentalismo cristão, como Why Should the Devil Have All the Good Music? onde ele canta, desafiador:

Eu quero que as pessoas saibal que ele salvou minha alma
Mas eu ainda quero ouvir o rádio
Eles dizem que rock'n roll é errado, vamos lhe dar mais uma chance
Eu digo que eu me sinto tão bem que quero me levantar e dançar

Eu sei o que é certo e sei o que é errado, eu não estou confundindo
O que eu realmente estou tentando dize é:
Por que o diabo deveria ter toda a boa música?
Eu me sinto bem todo dia
Pois Jesus é a rocha (rock) que jogou (rolled) minhas tristezas (my blues) fora

Mas o que é realmente interessante saber é que numa apresentação sua dessa música no festival Creation 99, assim como Elvis Presley fez com seu rock'n roll, Larry assumiu que a ideia de fazer rock cristão não viera dele. Antes de cantar a canção acima, Larry fez uma interessantíssima introdução onde dizia:

Eu comecei a escrever minhas canções em 1956, por que os garotos na minha escola pensavam que Elvis Presley estava fazendo um novo tipo de música. E eu sabia que não era um novo tipo. Era música de igreja. Era música de igrejas negras. E muitos garotos brancos não estavam familiarizados à cultura negra dos anos 50, então era difícil para as pessoas brancas acreditar que eu realmente era cristão, já que cantava essas canções porque acreditavam que esse tipo de som era satânico. Eu sei muito sobre cultura negra porque cresci numa comunidade negra, eu vivi numa favela, eu não conhecia nada disso até me mudar para um gueto. Então, depois de anos de pessoas atacando o que eu estava tentando fazer pra Deus, eu escrevi essa música.



Esse reconhecimento dele de que essa música que ele fazia era música de igrejas negras norte americanas não é sem fundamento. Por trás disso, há uma história menos conhecida ainda.

Antes do movimento pélvico (visto como sexual e vulgar por muitos) dos quadris do Elvis, antes do rock carregado de "gueto" do Chuck Berry, e, obviamente, antes das madeixas loiras do Larry chegarem aos ouvidos dos jovens cristãos, havia a figura mais inusitada e inesperada de todas por trás do black music de guitarra que deu origem ao rock'n roll: uma mulher, negra, cristã conhecida como Sister Rosetta Tharpe.


Você talvez nunca tenha ouvido falar dela. Mas todo bom conhecedor da história da música negra americana, se pesquisou o suficiente, sabe quem é essa mulher. E você com certeza já escutou alguma música que foi popularizada ou mesmo composta por ela. Clássicos como Down by the Riverside, Joshua Fit a Battle of Jericho (nosso "Vem com Josué"), todos tocados pela inusitada (e famosa!) figura da esposa de um pastor com sua guitarra no púlpito da igreja e inspirou os homens com guitarra do rock'n roll e o jeito de cantar das divas do soul music como Etta James.

Essa mulher foi influente em seu tempo e hoje poucos conhecem seu nome e, só recentemente, ela voltou a ser lembrada. Num meio geralmente dominado por homens e brancos que estão o tempo inteiro questionando a religião, é estranho pensar numa mulher negra cantando em igrejas (e clubes!) como precursora do gênero. Mas a realidade é que o rock'n roll tem uma mãe e é uma mãe cristã, o que me faz questionar toda a ideia do Diabo como pai rock, uma vez que a Bíblia diz que ele, na verdade, é pai da mentira (João 8:44).



A História do Rock Cristão

Embora nomes como a própria Rosetta Tharpe, Larry Norman, Stryper, P.O.D., Flyleaf e Skillet tenham chegado ao mainstream, a história do rock'n roll cristão está sempre no nível underground marginalizado e pressionado pelo conservadorismo cristão e pelo - pasme! - conservadorismo headbanger.
Depois do Larry Norman, o gênero permaneceu por um tempo dentro das raízes do blues e no folk, com artistas como Mylon Lefevre, Bruce Cockburn e Phil Keaggy, dentre outros.
Foi mais tarde que bandas como o Petra e Resurrection Band trouxeram mais peso e distorção ao estilo. O glam metal do Stryper foi um dos primeiros, lá nos anos 80 a trazer o heavy para a cena cristã -  e a levar a cena cristã à MTV e rádios populares.
E embora hoje nomes como Skillet, Switchfoot, Red e as bandas de worship como Leeland e Jeremy Camp sejam os mais conhecidos, foi gente como o 77s, Daniel Amos, Whitecross, Bride, Smalltown Poets, Third Day, Stavesacre, DC Talk, dentre outros que foram fundamentais para o crescimento do subgênero.
No Brasil, a história remonta os anos 70 com a banda Êxodo e sua música que virou meme, "Galhos Secos". O final dos anos 80 e início dos 90 foram significativos e decisivos, lançando bandas como Resgate, Katsbarnea, Oficina G3, Fruto Sagrado, Catedral, Rosa de Saron e Novo Som.

E talvez surpreenda muitos o quanto o gênero do rock dentro da música cristã é rico e gigante, cheio de pérolas musicais, seja em termos de letra ou música. Talvez seja surpresa pra muitos também o quanto essas músicas têm alcançado lugares que a música gospel comum com a linguagem de "igreja" não alcança.
O rock cristão, principalmente em sua "versão raíz", por ser liberto das amarras da religiosidade formal, fala da essência do evangelho de forma profunda, mas cotidiana, usando a linguagem do dia a dia. Por isso é interessante ver músicas como o clássico "In the Kingdom" do Whitecross, lançado em 1991, questionando tanto o otimismo pós-queda do Muro de Berlim, quanto o pessimismo de quem esperava uma terceira guerra mundial e apresentando aos ouvintes o reino que durará pra sempre. O "La La Land" do All-Star United colocando em conflito a ideia do sonho da juventude americana, o "Jesus Freak" do DC Talk falando de homens gordos tatuados e assumindo o quanto era esquisito ser cristão nas escolas regadas a sexo e drogas dos anos 90. É a linguagem que a juventude ouve: temas líricos honestos, assumindo falhas nas instituições religiosas, mas afirmando por experiência o quanto é libertador seguir a Cristo e a sua palavra.

Diante disso, eu penso na afirmação horrorizada que os cristãos fazem quando veem uma banda de rock cristã - ou mesmo um artista que faz outro estilo colocar uma bateria ou uma guitarra mais pesadas em sua música - de que "o mundo está entrando na igreja" e me pergunto se, na verdade, não é a igreja que está violentamente invadindo o mundo e mostrando ao Inimigo que ele não tem poder sobre pessoas que foram compradas pelo sangue de Cristo, desafiando a afirmação que, teoricamente, ele mesmo fez de ser o pai do Rock.



Afinal, de quem o rock é filho?

Diante desses questionamentos, lembro do termo que Marcos Almeida, um dos proeminentes nomes do rock cristão contemporâneo no Brasil, utiliza para a pregação do evangelho. Na música composta para o CD da Lorena Chaves (Cartão Postal), ele usa o termo "subverter o mal com a verdade", na música "Sobre o mesmo chão", onde ele fala de teologia do cotidiano e dos muros que construímos para nos separar do resto do mundo, ele usa o termo "subvertendo o mundo, amando a esperança". Gosto do termo "subversão" relacionado ao Evangelho, pois, não importa em qual regime político estejamos, ou qual seja a cultura vigente na qual vivamos, a mensagem de Cristo SEMPRE, SEMPRE será um escândalo para aquele que a entende e não a aceita. Para os gregos ou para os judeus. Para os ateus anti-religiosos ou para os cristãos fundamentalistas e legalistas. Para os headbangers que não acreditam que a religião possa ser revolucionária ou para os cristãos que não acreditam que o rock possa ser puro e santo.

Como a banda de thrash metal Tourniquet faz questão de lembrar em sua Besprinkled in Scarlet Horror, nem tudo na Palavra de Deus são flores - a começar pelo horror do calvário. Como todo bom comentarista bíblico faz questão de ressaltar, a Bíblia não esconde a feiura do pecado e a podridão da raça humana - o livro de Juízes e suas histórias bizarras estão aí pra provar. A Bíblia também não esconde que sofreremos sem nenhuma razão aparente que não seja o pecado residente no mundo até que Jesus volte. A Bíblia não esconde que a justiça de Deus é implacável e não dissociável da sua misericórdia. E ao contrário do que muitos pensam, mesmo a mensagem do Antigo Testamento, em meio a tantas guerras e sangue, está cheia de graça, misericórdia, tolerância e salvação a todo aquele que aceitar. Essas tensões e ambiguidades do texto bíblico encontram paralelos com a tensão estabelecida pelo estilo musical que o rock representa.

Muitos, por ouvirem uma coisa ou outra, ignoram todas as nuances presentes dentro do rock e sua riqueza musical para representar alegria, tristeza, dor, horror, amor, revolta e todo tipo de sentimento. O rock une a brutalidade de uma guitarra distorcida e tempo sincopado (que rende outra discussão polêmica cheia de pressuposições e preconceitos) com a honestidade de letras que falam sobre o que sentimos, sejam estes sentimentos bons ou ruins - assim como os salmistas e os profetas faziam. O dedilhado de um violão acústico pode carregar delicadeza, mas também dor e sofrimento - assim como Cristo e os mártires bíblicos.

Sendo assim, diante da perspectiva histórica do rock e da sua vertente cristã que discutimos aqui, não faz sentido achar que aqueles que usam suas batidas e rock'n roll pra pregar a Palavra e adorar a Deus sejam filhos bastardos de Satanás para arrastar as almas frágeis da juventude cristã. Isso seria ignorar o bem ignorado que essa música faz e, mais grave ainda, cometer o pecado de condenar veementemente aqueles que o fazem de não serem cristãos verdadeiros (!) ou, no mínimo, de serem ignorantes e não terem um relacionamento forte o suficiente com Deus pra mudar o estilo de música que fazem.

Concluo essa (enorme) reflexão com algumas perguntas: Será que nossa visão sobre música correta não está impregnada pelo pensamento que enaltece a cultura branca e erudita europeia em detrimento de qualquer manifestação cultural de povos considerados "menos esclarecidos" pelo nosso preconceito ocidental? Será que nossas interpretações de textos clássicos sobre música não está impregnada de preconceito? Ou seria apenas o medo do fraco na fé que não confia que Deus possa mudar as pessoas e, assim como fez com a cultura dos tempos bíblicos, usar o cotidiano e o secular para nos dar sua mensagem? Será que temos a autoridade de definir o gosto musical de Deus com nossa arrogância de criar listas de pode e não pode? Será que essas nossas listas não passam de formas frágeis e preguiçosas de evitar o pensamento crítico e o engajamento espiritual de pensar por nós mesmos para decidir o que realmente nos faz mal e nos afasta de Deus individual e pessoalmente? Será mesmo que temos sequer poder o suficiente e direito de definir o que pertence a Deus e o que pertence ao Diabo?

Até a última vez que chequei na Bíblia, Deus era o dono de tudo e o Diabo um ladrão que clama tudo pra si e nos pega justamente no pecado de atribuirmos poder demais a ele. Diante disso, só consigo pensar que o rock cristão não é nada mais, nada menos do que o filho pródigo que retorna ao lar - e cujos irmãos mais velhos olham pra ele com desprezo por estar tomando um lugar que "não merece".
Cabe a você agora decidir se, na sua vida, a música que você ouve é nociva ou não para a sua vida espiritual, e isso só vai ser possível se você for alguém que se alimenta incessantemente da Palavra de Deus, acompanhado de muita, mas muita oração. Música pode sim te tirar do céu se ela for um ídolo na sua vida, mas mais do que qualquer música, o que mais vai tirar gente do céu é a preguiça intelectual e espiritual.

Se você for um bom headbanger, vai curtir a playlist que indiquei lá em cima. #fikdik

Um feliz dia do rock pra você!

Saiba mais:
Sobre Rosetta Tharpe
Sobre as raízes negras do rock
Sobre a história geral do rock
Sobre a história geral do rock e suas controvérsias
História resumida do rock cristão
História detalhada do rock cristão
Documentário "Why Should the Devil Have All the Good Music" (Em inglês)
Sobre o argumento de Caim na adoração
Sobre música e adoração (perspectiva adventista)

Você pode também clicar na tag "Especiais Dia do Rock" na parte das Gavetas ao lado, pra ver outros textos que escrevemos aqui sobre o assunto.




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