Não Tenha Medo do Tempo
Créditos devidos: O texto abaixo foi baseado no conteúdo visto em sala com meu professor de Hebraico, Lucas Iglesias, e é uma adaptação da minha dissertação da prova final de Hebraico 3.
Enquanto a física discute o tecido espaço-tempo e a relatividade, ao mesmo tempo em que diversas áreas da ciência estudam inúmeras formas de estender mais e mais a expectativa de vida do ser humano, a Bíblia está preocupada em mostrar à humanidade o Deus que a ela procura e com ela estabelece aliança.
Quando falamos de tempo relacionado à nós, com frequência o tratamos como uma limitação. Lemos e ouvimos que o tempo é implacável, no sentido de que ele estabelece o nosso fim e não há absolutamente nada que possamos fazer para detê-lo. Para nós o relógio passa, o tempo urge. Ele é marcado pela proximidade e urgência da morte. A máxima do carpe diem é justamente nos lembrar de que, a qualquer momento, nosso tempo passará de uma forma que não passa para o que é eterno. É como se nosso tempo tivesse surgido apenas quando Deus disse para Adão e Eva que no dia em que comessem do fruto do conhecimento do bem e do mal, eles morreriam (Gênesis 2:17). Sentimos o tempo como o nosso carrasco, carrasco surgido como consequência do pecado.
Mas, na verdade, o tempo aparece na Bíblia antes da morte. Antes do pecado.
O relato da criação começa com um ato de Deus dentro de uma linha temporal: No princípio/início/cabeça/líder criou Deus os céus e a terra (Gênesis 1:1).
A primeira coisa a surgir no relato é a luz (Gênesis 1:3). Quando pensamos em luz, a primeira coisa que nos vem à mente é que a luz serve para iluminar, mas o propósito que o texto bíblico dá à luz no primeiro dia da criação não é exatamente iluminação. Deus vê que a luz é boa e faz separação entre luz e trevas (v. 4), que vêm a se revelar como dia e noite, respectivamente - o primeiro dia (v. 5). A primeira coisa a acontecer na criação é a definição de dia e noite. Isso é importantíssimo, pois todo o relato a seguir divide a criação em dias.
É no quarto dia da criação que Deus completa essa ideia colocando sinalizadores para demarcarem e governarem dia e noite.
Tempo e marcação de tempo.
O texto começa com o "princípio" e a marcação do tempo e termina com o descanso de Deus no sétimo dia (Gênesis 2:1-3). Deus descansa "no tempo", não apenas descansa, mas abençoa e santifica um espaço de tempo que se repete.
Da criação às profecias apocalípticas, Deus age no tempo antes e depois do pecado.
Diante disso, mesmo que o tempo seja um limitador para nós, seres humanos, nossa limitação temporal não é consequência do pecado, mas uma condição inerente à criação.
Portanto, quando lemos Gênesis 2:17, vemos uma criação que morre, não por ser limitada ao tempo, mas por desobedecer à Deus e a desobediência à Deus é o que nos prende ao tempo e à inevitabilidade da morte.
Em nenhum momento, a Palavra trata o tempo como algo em si, mas como recipiente de conteúdos que existem no espaço. Em seu livro "Hebrew for Theologians", no capítulo em que discorre sobre o pensamento hebraico-bíblico, Jacques Doukhan destaca que o texto bíblico não trabalha o conceito abstrato de tempo, mas que este está intimamente conectado a e identificado com o seu conteúdo. Os tempos verbais do hebraico, por exemplo, estão mais ligados ao tipo de ação praticados pelo sujeito (ação completa, incompleta, contínua etc) do que à ordem cronológica (passado, presente e futuro). Doukhan destaca que tempo só é tempo quando alguma coisa acontece. Assim, o tempo está em Gênesis 1:1 pois lá Deus age (cria) e o tempo se ausenta para aquele que morre, pois não há mais ação após a morte.
O tempo existe por que Deus está agindo o tempo inteiro. Deus fala, cria, descansa, abençoa, santifica, recria, redime, busca, corre, cura, cuida, ama. E por isso há tempo.
Mas nós herdamos da filosofia grega, sobretudo de Platão, que coloca o tempo como limitador, como característica da realidade carnal, inferior à realidade espiritual, onde vive o que é eterno e atemporal - fora do tempo.
Nós herdamos de Deus "a eternidade em nosso coração" (Eclesiastes 3:11). Esse anseio de permanecer vivos, mesmo que não fisicamente. Queremos eternizar quem somos de alguma forma, queremos deixar um legado. Esse anseio natural unido à ideia grega de tempo como agente limitador e carnal, nós coloca medo. Faz com que tenhamos medo do fim, do amanhã, do futuro. Faz com que tenhamos receio de atribuir a Deus, que é eterno, algum tipo de temporalidade. Aproximá-lo demais de nós pode fazer com que Ele pareça menor.
Mas não prestamos atenção no que a Bíblia realmente diz sobre tempo. Há tempo pra tudo, já diz o Pregador em Eclesiastes. A palavra עוֹלָם ('ôlām) que é traduzida como eternidade, não carrega a ideia de atemporalidade ou ausência de tempo, mas sim a ideia de um tempo que antecede e ultrapassa. Ações que antecedem e ultrapassam a humanidade em si. Ações das quais apenas Deus pode ser o autor, pois ele age antes e depois de nós.
Isso está diretamente ligado ao conceito de fé. Chesterton define fé como "crer de antemão aquilo que você entende em retrospectiva". Em outras palavras, você crê em algo no futuro que só vai fazer sentido quando se tornar passado.
Essa percepção positiva do tempo pode mudar radicalmente a maneira como encaramos nosso passado, nosso presente e nosso futuro. O tempo não é o que nos aprisiona. O que nos aprisiona é o pecado. A morte não é consequência do tempo, mas do pecado. E Deus, que é quem define o tempo, arquitetou o plano perfeito para nos resgatar no pecado. E Ele faz isso da mesma forma como fez na criação do mundo: agindo. E o agir de Deus é a maior marcação de tempo que existe.
Não precisamos temer a linha cronológica, pois para o Deus que nos oferece aliança para nos resgatar, essa linha não tem fim.
Então Jesus declarou: "Eu sou o pão da vida. Aquele que vem a mim nunca terá fome; aquele que crê em mim nunca terá sede.
Mas, como eu lhes disse, vocês me viram, mas ainda não crêem.
Todo o que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei.
Pois desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou.
E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.
Porque a vontade de meu Pai é que todo o que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia".
João 6:35-40
The Melting Watch, Salvador Dalí |
Quando falamos de tempo relacionado à nós, com frequência o tratamos como uma limitação. Lemos e ouvimos que o tempo é implacável, no sentido de que ele estabelece o nosso fim e não há absolutamente nada que possamos fazer para detê-lo. Para nós o relógio passa, o tempo urge. Ele é marcado pela proximidade e urgência da morte. A máxima do carpe diem é justamente nos lembrar de que, a qualquer momento, nosso tempo passará de uma forma que não passa para o que é eterno. É como se nosso tempo tivesse surgido apenas quando Deus disse para Adão e Eva que no dia em que comessem do fruto do conhecimento do bem e do mal, eles morreriam (Gênesis 2:17). Sentimos o tempo como o nosso carrasco, carrasco surgido como consequência do pecado.
Mas, na verdade, o tempo aparece na Bíblia antes da morte. Antes do pecado.
O relato da criação começa com um ato de Deus dentro de uma linha temporal: No princípio/início/cabeça/líder criou Deus os céus e a terra (Gênesis 1:1).
A primeira coisa a surgir no relato é a luz (Gênesis 1:3). Quando pensamos em luz, a primeira coisa que nos vem à mente é que a luz serve para iluminar, mas o propósito que o texto bíblico dá à luz no primeiro dia da criação não é exatamente iluminação. Deus vê que a luz é boa e faz separação entre luz e trevas (v. 4), que vêm a se revelar como dia e noite, respectivamente - o primeiro dia (v. 5). A primeira coisa a acontecer na criação é a definição de dia e noite. Isso é importantíssimo, pois todo o relato a seguir divide a criação em dias.
É no quarto dia da criação que Deus completa essa ideia colocando sinalizadores para demarcarem e governarem dia e noite.
Tempo e marcação de tempo.
O texto começa com o "princípio" e a marcação do tempo e termina com o descanso de Deus no sétimo dia (Gênesis 2:1-3). Deus descansa "no tempo", não apenas descansa, mas abençoa e santifica um espaço de tempo que se repete.
Da criação às profecias apocalípticas, Deus age no tempo antes e depois do pecado.
Diante disso, mesmo que o tempo seja um limitador para nós, seres humanos, nossa limitação temporal não é consequência do pecado, mas uma condição inerente à criação.
Portanto, quando lemos Gênesis 2:17, vemos uma criação que morre, não por ser limitada ao tempo, mas por desobedecer à Deus e a desobediência à Deus é o que nos prende ao tempo e à inevitabilidade da morte.
Em nenhum momento, a Palavra trata o tempo como algo em si, mas como recipiente de conteúdos que existem no espaço. Em seu livro "Hebrew for Theologians", no capítulo em que discorre sobre o pensamento hebraico-bíblico, Jacques Doukhan destaca que o texto bíblico não trabalha o conceito abstrato de tempo, mas que este está intimamente conectado a e identificado com o seu conteúdo. Os tempos verbais do hebraico, por exemplo, estão mais ligados ao tipo de ação praticados pelo sujeito (ação completa, incompleta, contínua etc) do que à ordem cronológica (passado, presente e futuro). Doukhan destaca que tempo só é tempo quando alguma coisa acontece. Assim, o tempo está em Gênesis 1:1 pois lá Deus age (cria) e o tempo se ausenta para aquele que morre, pois não há mais ação após a morte.
O tempo existe por que Deus está agindo o tempo inteiro. Deus fala, cria, descansa, abençoa, santifica, recria, redime, busca, corre, cura, cuida, ama. E por isso há tempo.
Mas nós herdamos da filosofia grega, sobretudo de Platão, que coloca o tempo como limitador, como característica da realidade carnal, inferior à realidade espiritual, onde vive o que é eterno e atemporal - fora do tempo.
Nós herdamos de Deus "a eternidade em nosso coração" (Eclesiastes 3:11). Esse anseio de permanecer vivos, mesmo que não fisicamente. Queremos eternizar quem somos de alguma forma, queremos deixar um legado. Esse anseio natural unido à ideia grega de tempo como agente limitador e carnal, nós coloca medo. Faz com que tenhamos medo do fim, do amanhã, do futuro. Faz com que tenhamos receio de atribuir a Deus, que é eterno, algum tipo de temporalidade. Aproximá-lo demais de nós pode fazer com que Ele pareça menor.
Mas não prestamos atenção no que a Bíblia realmente diz sobre tempo. Há tempo pra tudo, já diz o Pregador em Eclesiastes. A palavra עוֹלָם ('ôlām) que é traduzida como eternidade, não carrega a ideia de atemporalidade ou ausência de tempo, mas sim a ideia de um tempo que antecede e ultrapassa. Ações que antecedem e ultrapassam a humanidade em si. Ações das quais apenas Deus pode ser o autor, pois ele age antes e depois de nós.
Isso está diretamente ligado ao conceito de fé. Chesterton define fé como "crer de antemão aquilo que você entende em retrospectiva". Em outras palavras, você crê em algo no futuro que só vai fazer sentido quando se tornar passado.
Essa percepção positiva do tempo pode mudar radicalmente a maneira como encaramos nosso passado, nosso presente e nosso futuro. O tempo não é o que nos aprisiona. O que nos aprisiona é o pecado. A morte não é consequência do tempo, mas do pecado. E Deus, que é quem define o tempo, arquitetou o plano perfeito para nos resgatar no pecado. E Ele faz isso da mesma forma como fez na criação do mundo: agindo. E o agir de Deus é a maior marcação de tempo que existe.
Não precisamos temer a linha cronológica, pois para o Deus que nos oferece aliança para nos resgatar, essa linha não tem fim.
Então Jesus declarou: "Eu sou o pão da vida. Aquele que vem a mim nunca terá fome; aquele que crê em mim nunca terá sede.
Mas, como eu lhes disse, vocês me viram, mas ainda não crêem.
Todo o que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei.
Pois desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou.
E esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.
Porque a vontade de meu Pai é que todo o que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia".
João 6:35-40
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