Mas Jesus pisaria no sambódromo?

Uma mistura das representações de Cristo que já fiz pro Instagram. Todas incompletas, todas imperfeitas e fragmentadas, como todas as representações existente.

Senhor, tenha piedade
Olhai para a terra
Veja quanta maldade
[A Verdade vos fará livre - Samba-Enredo da Magueira, 2020]

Passei essa semana lendo textos de cristãos sobre o enredo da Mangueira deste ano - textos de diversas opiniões. Pensei muito se escreveria sobre isso. Primeiro decidi que não, afinal, já fiz postagens sobre a imagem de Cristo diversas vezes no Instagram (@teolonerd). Mas talvez fosse hora de escrever um texto um pouco maior no blog sobre essas abordagens atuais que parecem representar a tantos e ofender a tantos outros. Talvez você chegue ao final do texto e fique frustrado com o que escreverei aqui, portanto, já aviso: este não é um texto de respostas prontas sobre o que a Mangueira fez. É uma reflexão, que gosto de pensar que é baseada na Bíblia, sobre nossa reação como cristãos a isso.

Vou dividir em três partes: uma sobre como Deus se revela, uma sobre como a Palavra trata a imagem de Deus e outra sobre o assunto em si. Então, senta que lá vem textão:
Como Deus escolheu se revelar à humanidade

A Bíblia que nós, seguidores de Cristo, acreditamos ser a Palavra de Deus apresenta uma espiritualidade de certezas: certeza da existência de um Deus soberano, que nos criou e nos mantém vivos, está no controle da história geral e enviou seu Filho para nos salvar do pecado no mundo. O Novo Testamento também apresenta esse Filho como o caminho, a verdade e a vida e ninguém vai ao Pai senão por Ele (João 14:6).
Portanto, não importa de qual denominação cristã façamos parte, a figura de Cristo é central nos nossos estudos da Palavra. Afinal, nos chamamos cristãos e temos em Cristo a figura do nosso Deus e pastor principal. Isso nos concede uma facilidade surpreendente de nos unir quando esse Jesus é, ao nosso olhar, atacado de fora do que consideramos nosso aprisco seguro.

Acontece que a Bíblia apresenta certezas relacionadas à fé, que é ao mesmo tempo um dos caminhos mais seguros e incertos para vivermos a vida, pois ela exige também uma constante reavaliação de como temos vivido e na imagem que temos do texto e de Deus. A própria Palavra, em sua perfeição, tem uma natureza tão universal e eterna e nós, humanos falhos, uma natureza tão limitada, que entendemos que a Bíblia é uma fonte inesgotável de conhecimento. Logo, por mais certezas que tenhamos, sabemos que nunca alcançaremos a totalidade do conhecimento da Palavra de Deus, pois sua fonte é eterna e nós somos finitos. Eu sou Adventista do Sétimo Dia e essa verdade está nas minhas crenças fundamentais, por isso a minha denominação está estudando constantemente a Palavra de Deus, e por mais que tenhamos princípios que acreditamos ser imutáveis, não fechamos um credo. Temos a Conferência Geral para se reunir de cinco em cinco anos e, após muitos e muitos estudos, verificar se temos trilhado realmente os caminhos bíblicos.

Há ainda outro elemento essencial da crença cristã: textos como o Salmo 19, Atos 17 e Romanos 1 são a base para uma crença compartilhada pela maioria das teologias cristãs de que Deus se revela ao homem em pelo menos dois níveis - a revelação especial (através da Bíblia e do próprio Cristo) e a revelação geral (através da natureza, da história e da consciência humana), sendo esta acessível a pessoas que nunca ouviram falar de Cristo ou da Bíblia. Quem me acompanha há algum tempo sabe que eu considero que a maioria dos cristãos hoje não compreendem as implicações da crença na revelação geral e subestimam o fato de ser uma revelação divina. 

Uma das maiores implicações da crença na Revelação Geral, ao meu ver, é que ela serve para lembrar às religiões que usam a Palavra de Deus como base, que elas não possuem exclusividade sobre toda a revelação divina. Cremos sim, que a revelação especial deve servir de filtro para as manifestações da revelação geral, que muitas vezes está impregnada por aspectos não bíblicos da cultura, mas mesmo a Bíblia foi escrita de forma a falar a linguagem da cultura na qual seus autores viveram. Enquanto estamos em terrenos conhecidos da cristandade, levamos isso de forma relativamente tranquila. As denominações cristãs conseguem conversar entre si, mesmo quando a visão que elas tenham da Bíblia e da imagem do próprio Cristo sejam às vezes quase opostas uma a outra.

Por exemplo, você vai ter discussões sobre a natureza de Cristo que são acirradíssimas. Afinal, a natureza de Cristo é a natureza humana de antes ou depois do pecado? Os pré-lapsarianos vão defender que é a natureza de antes do pecado, os pós-lapsarianos defenderão que é a natureza pós-queda do homem. Os calvinistas e arminianos vão discordar veementemente entre si a respeito da natureza do plano de salvação de Deus e a predestinação à esta salvação. Até mesmo sobre a autoridade da Bíblia haverá discordâncias - alguns defendem que a Bíblia é a única autoridade (grande parte dos protestantes), outros acreditam que a tradição da Igreja é tão autoritária quanto a Bíblia (grande parte das ramificações católicas romanas), outros creem em outros livros como autoridade equivalente à da Bíblia (a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, conhecidos como os mórmons, por exemplo). Isso para citar apenas algumas discordâncias. Muitos vão descobrir sobre essas discordâncias e ficarão tão escandalizados que deixarão de crer na Palavra, pois como a Palavra de Deus pode servir de base para crenças tão distintas? Esse é o motivo de muitos se tornarem ateus ou agnósticos.

Sei que muitos considerariam imprudente que eu exponha essas questões, mas existe um motivo para que eu as exponha e eu acredito que existam algumas razões para que Deus não tenha escrito a Bíblia inteira como se fosse um código de ética ou uma lista de crenças, dentre elas esta: nos manter humildes diante da natureza de sua Palavra. Por mais que eu creia que existe uma verdade, que é o Cristo apresentado na Bíblia, eu não possuo essa verdade. Eu não a patenteei e não possuo domínio sobre ela, por mais que eu precise aprender a manejá-la corretamente e me esforçar para isso, como Paulo aconselha em 2 Timóteo 2:15.

Essa humildade é que fez com que a teologia cristã, em todas as suas vertentes, fosse construída. Ninguém aprendeu teologia apenas com os estudos da própria denominação. O diálogo - para discordância ou concordância - através dos séculos foi essencial para a construção das crenças que temos hoje. Essa é a dimensão da revelação especial. Diante da dimensão da Revelação Geral, é preciso que o cristão reconheça não apenas o outro cristão, mas também a revelação geral concedida ao crente de outras vertentes e às vezes até mesmo ao ateu. Minha base teológica discorda de muita coisa de Agostinho de Hipona, mas há muito a se aprender com os Pais da Teologia. Em A Doutrina Cristã, ele diz algo que encontra eco no que cremos em relação à Revelação de Deus: "Todo bom e verdadeiro cristão há de saber que a Verdade, em qualquer parte onde se encontre, é propriedade do Senhor."

Mas como separar a verdade da mentira? É aí que entra a Revelação especial, a Palavra e a Lei de Deus expressas na Torah, nos Escritos, nos Profetas, nos Evangelhos e nas Epístolas. É através do estudo constante da Palavra, guiados pelo Espírito Santo, que construímos as certezas e é assim que devemos escolher qual caminho seguir. 

Eu quero então, destacar algumas coisas que a revelação especial diz a respeito da Imagem de Deus e de Cristo.

Mas Jesus se parece com quem?

O assunto da imagem de Deus é misterioso o suficiente para precisar de cuidados ao ser abordado, e revelado o suficiente na Palavra para que renda livros e livros
A palavra hebraica צֶלֶם (tselem) é traduzida em Gênesis 1:27 como "imagem" e carrega em si também conotações de semelhança, de imagem representativa e, em sua raíz צֵל (tsel), até mesmo de sombra. No texto de Gênesis é dito que Deus cria o ser humano à sua imagem (tselem) e semelhança, homem e mulher - ambos - são imagem e semelhança de Deus. 
Só essa afirmação já torna a ideia mais complexa do que simplesmente falar de aparência física: homem e mulher, em todas as suas diferenças fisiológicas e de função (ver Gênesis 2), são criados à imagem de Deus (isso já deveria ser um indicativo a respeito do quanto muitos ficam ofendidos com representações femininas de Deus, que não são tão incomuns assim nem mesmo no texto bíblico). Entendendo a sequência do texto de Gênesis, na qual é dado domínio ao homem sobre a Terra, entende-se na teologia que o imago Dei, ou seja, a imagem de Deus, está ligada a um conceito que chamamos de imitatio Dei, a imitação de Deus. O homem é, literalmente, criado para fazer o que Deus faz. Criar, cuidar, governar. Isso é um privilégio de realeza, mas também é um dever que coloca em nossa essência a observação do que Deus faz para que façamos igual. O exemplo mais prático disso está em Êxodo 20:8-11, o mandamento no sábado, onde a justificativa para o mandamento de trabalharmos seis dias e descansarmos no sétimo é simplesmente por Deus ter criado o mundo em seis dias e descansado no sétimo. A própria estrutura espelhada do texto faz essa ligação entre o que Deus faz e nós devemos fazer em resposta.
Ou seja, a imagem de Deus na humanidade poderia até ser a respeito de aparência, mas é, sobretudo, relacionado a função do homem e seu propósito de vida.

Os desdobramentos desse conceito se tornam ainda mais interessantes quando, ao nascer Sete em Gênesis 5:2-3, o texto repete que Deus tinha criado o ser humano à sua imagem e semelhança e Adão (אָדָם, adam, ser humano), gera um filho chamado Sete à sua imagem e semelhança. Esse filho viria a ser o herdeiro da promessa feita em Gênesis 3:15 e que culminaria na vinda de Cristo através da semente da mulher. Além do fôlego de vida assoprado por Deus, que todos os seres vivos respiram, o homem possui um aspecto que o torna sagrado: a função da sua existência está ligada à imagem de Deus em si.

Isso me leva a outro ponto interessante sobre imagem. 
Recentemente estava lendo o livro Poetics and interpretation of biblical narrative (Poética e interpretação da narrativa bíblica) da teóloga bíblica Dra. Adele Berlin e fiquei impressionado com uma constatação que ela fez.
Ela observa que é senso comum dizer que a Bíblia não faz muitas descrições físicas das coisas. Isso não é necessariamente verdade em relação a tudo. O nível de detalhamento físico que o texto bíblico dispensa ao Santuário, por exemplo, é notável. Ele descreve as medidas da arca de Noé e até mesmo coisas aparentemente indescritíveis como as visões da sala do trono de Deus nos livros dos profetas. A única coisa que o texto bíblico parece não descrever é a aparência física do ser humano. Só temos descrições físicas de personagens quando são absolutamente necessárias para a narrativa (como o fato de Golias ser alto ou José ser formoso). Ainda assim, a maioria dessas características são qualitativas (beleza, altura) e não descritivas (cor da pele, dos olhos e dos cabelos). A teoria de Berlin foi o que mais me impressionou.
A Torah, especialmente o segundo dos Dez Mandamentos, enfatiza que não se deve fazer imagens de escultura e adorá-las (seja de outros deuses - mas isso já está implícito no mandamento anterior - ou do próprio Deus de Israel). E esse mandamento é acompanhado de uma descrição a respeito da misericórdia infinita de Deus pelos que o seguem e a misericórdia duradoura dele até mesmo para os que o aborrecem (Êxodo 20:4-6). Muitos pensam nesse mandamento apenas como uma proibição à representação física de Deus, mas seu princípio vai muito mais longe, lidando com a própria natureza ilimitada e misteriosa dEle e como imagens representativas podem servir como ídolos limitados, retratos distorcidos de quem Ele é.
Berlin então relaciona esse mandamento com a falta de descrições físicas dos personagens bíblicos. Seria uma afronta à natureza da imagem de Deus no homem criar representações físicas destes no texto. 
Com isso, eu entendo que ela não quer dizer que não devemos produzir ilustrações ou esculturas representativas, mas sim que, caso essas sejam feitas, elas não podem ser encaradas como representações da essência do que é ser humano. Olhando dessa perspectiva e entendendo a Bíblia como autoritativa para o povo de Deus, ao meu ver, esta é uma reflexão que, não apenas faz sentido, como é uma decisão genial por parte do Eterno de inspirar os autores de sua Palavra a torná-la uma visão profunda de quem é o ser humano.

Diante disso é mais fácil compreender quando Paulo diz que em Cristo não há homem ou mulher, judeu ou grego (Gálatas 3:28). É mais fácil também entender a escolha de Deus em sua reencarnação.

Por exemplo, um dos textos mais utilizados para falar sobre a aparência de Cristo é a profecia messiânica de Isaías 53, que no verso 2 diz que nele não havia aparência nem formosura para que o desejássemos. Em seu livro No caminho para Emaús, ao discutir essa profecia, Jacques Doukhan diz:

A única expressão humana adequada diante dessa visão é, portanto, além do silêncio atordoador, a questão do espanto: “Quem creu em nossa pregação?” (Is 53:1). É inacreditável! É de espantar o fato de que Aquele tão Alto, tão Sublime, tão Santo descera tão baixo: “renovo [...] raiz de uma terra seca” (Is 53:2a); sem “aparência nem formosura [...] nenhuma beleza havia que nos agradasse” (v. 2b); “desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer”18 (v. 3a); “desprezado, e dele não fizemos caso” (v. 3c).
A palavra “homem” aparece duas vezes na mesma linha: “rejeitado entre os homens; homem de dores”, correspondendo às outras duas referências a “homem” e “filho do homem” em Isaías 52:14. Esse jogo de palavras com o termo “homem” enfatiza a condição humana desse ser transcendente – Ele é da mesma natureza dos que o rejeitam –, mas sua condição “humana” é ainda pior do que a deles: “Ele se tornou irreconhecível como homem; não parecia um ser humano” (Is 52:14, NVI).

É curioso que, quando resolve se limitar a uma imagem que consigamos compreender, o Eterno escolhe ser um de nós, mas não qualquer de nós. O mais sofredor de nós. Esse aspecto da misericórdia de Deus em relação à humanidade caída é representada pela escolha dos pequenos, seja um pequeno povo como Israel (Deuteronômio 7:7) ou escolhendo pescadores iletrados como seus apóstolos. Em toda a Torah e nas suas advertências nos Profetas, Deus deixa claro que, junto à adoração a Ele como único Deus, o amor ao próximo e o cuidado aos estrangeiros, órfãos, viúvas e pobres está no centro da sua Palavra.
Isso culmina de forma explícita em Mateus 25:31-46, quando Cristo se coloca como aqueles que mais necessitam de ajuda - os famintos, os presos, os nus, os sedentos.

Cristo se faz presente na imagem do que ajuda, mas no Juízo final, se faz presente especialmente na imagem do que é ajudado. A ideia de um Deus servo só serve para nos lembrar que, como imagem dEle, precisamos ser imitadores deste mesmo Deus servo. E não só isso, mas precisamos ser humildes reconhecedores de que não somos possuidores da exclusividade sobre a imagem de Deus, mesmo acreditando sermos um povo escolhido.

Tá, mas e o Jesus da Sapucaí?

Ok, já entendemos que Deus se revela a todos e que sua imagem se faz presente na humanidade, e que nem essa revelação ou essa imagem são exclusivamente manifestas dentro dos limites do que definimos culturalmente como cristianismo.

Com isso em mente, se você me perguntar se eu acho que a Mangueira representou muito bem quem é Cristo, a minha resposta curta será não.
Se você me perguntar se eu considero que nos sambódromos do nosso famigerado carnaval acontecem muitas coisas que são ruins aos olhos de Deus, a resposta curta será sim.
Porém se você substituir "Mangueira", "Sambódromo" e "Carnaval" por "Instituições cristãs", "Igrejas" e "Púlpitos" nas mesmas perguntas, minhas respostas curtas serão exatamente as mesmas.

Eu não cresci preso à bolha da minha denominação. Eu procuro sempre dialogar com pessoas de outras crenças. E digo, sem medo de errar, que, dentro ou fora da minha denominação, dentro ou fora do mundo cristão, eu cresci vendo (e cheguei a aprender) diversas representações blasfemas de Cristo. Desde coisas simples, como a imagem do Cristo branco europeu que não sorri, até coisas mais complicadas, como a imagem do Cristo nada misericordioso, severo, cuja justiça se resume a punir. Já ouvi de púlpitos sermões de Cristos que quando retornarem, vão transformar os negros em pessoas brancas, cabelos crespos em cabelos lisos. Cristos que medem o cumprimento da saia das mulheres e são misericordiosos com as mentes sujas dos homens. Cristos que exigem que nós, com nossa natureza pecaminosa, sejamos perfeitos, mesmo sabendo que nunca seremos até que o verdadeiro Cristo volte.

O fato é que eu não consigo olhar para o Jesus da Mangueira e dizer: este é o Cristo! Mas também não consigo olhar para todo Jesus pregado em igrejas e dizer o mesmo.
Não posso, como estudioso da Bíblia, entender o Jesus da Mangueira como a representação exata de quem Ele é. Mas ao mesmo tempo, dadas as informações que a Palavra me fornece a respeito dele, me sinto menos confortável ainda em dizer que não é.
Dizer que nosso Cristo das igrejas é melhor que o Cristo da Mangueira é ignorar a revelação geral de Cristo, é ignorar que as instituições religiosas humanas também são cheias de falhas e coisas que o Pai abomina, é ignorar que somos ignorantes também em relação à sociedade em que vivemos - a ponto de sequer entendermos a real importância social das escolas de samba para as comunidades de onde elas vêm, a ponto de sequer ocorrer à nossa piedade farisaica que existe gente sambando ali que também confessa ao Cristo que aprendeu na Bíblia como Salvador.

Sim, Jesus não pode ser reduzido a nenhuma ideologia ou nenhuma representação. Nem à "deles", nem à "nossa", se é que estamos em condições de fazer essa separação hoje. Eu sou ignorante em relação a muita coisa a respeito da cultura do carnaval, portanto me abstenho de falar a respeito. Mas conheço bem a cultura cristã da qual faço parte. Então falo sem medo que é preciso reconhecer que a mesma cristandade brasileira que hoje apedreja a Mangueira, há séculos atrás possuía escravos, açoitava e torturava pretos. A mesma cristandade que só aboliu a escravidão por conveniência econômica e pouco esforço fez para reintegrar os libertos à sociedade, descumprindo, tanto na servidão, como na libertação, a Lei de Deus de forma hedionda.
Essa mesma cristandade criou a imagem de um Cristo branco, de um céu branco, de uma igreja de classe média alta na qual você precisa ter dinheiro pra comprar um terno para ser bem visto, na qual você precisa ter dinheiro para aprender a tocar algum instrumento clássico para que sua música seja aceitável perante Deus. 

Essa é a mesma cristandade brasileira que sequer percebe que criou e não se incomoda em manter o Cristo que descrevi acima, mas quer apedrejar o Cristo que a Mangueira descreveu. Sim, a imagem de Cristo que a Mangueira representou é imperfeita, mas a Mangueira não reclama ser uma instituição cristã que carrega em seu nome o nome de Cristo.
Já nós, que confessamos o nome dEle como soberano sobre toda a vida, tentamos coar mosquitos como a Mangueira, e engolimos o camelo que é a imagem completamente não bíblica desse Deus exclusivo que criamos e não queremos abrir mão.

Se realmente estivéssemos preocupados em seguir a Palavra, olharíamos para o Cristo da Sapucaí e ouviríamos o que ele tem a dizer. Saberíamos que há coisas ali que não representam o que a Palavra diz, mas também reconheceríamos que há verdade ali, e a Verdade, onde quer que esteja, pertence ao Senhor. Reconheceríamos também que dentre essas verdades, está a verdade de que nós, "do lado de cá", também criamos representações imperfeitas de quem é Cristo e precisamos corrigir isso.

Portanto, já que criamos uma imagem de Cristo que não corresponde a Ele, precisamos tentar reparar nosso erro e ouvir aos que outrora excluímos. Não se trata de ideologias políticas: é a Torah, a Lei de Deus. 

No fim, no cerne do nosso serviço como Cristãos, está primeiro a humildade de que não possuímos a Verdade, e que a partir do momento em que somos possuídos por ela, não temos o poder de julgar o outro. Nos resta apenas usar a Lei para olhar para nós mesmos e pedir a Deus para corrigir os nossos erros, as nossas transgressões. Quanto aos outros, que consideramos "perdidos", nos resta amar e enxergar neles o Cristo que tomou para si a imagem do pior de nós para nos resgatar.

Se Jesus pisaria no sambódromo?
Não sei. Mas não me surpreenderia, vindo de alguém que pisou em casa de publicanos, de fariseus e teve seus pés pregados na cruz - lugar de bandido.

Então ele dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o diabo e os seus anjos. Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram’.
Eles também responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou necessitado de roupas ou enfermo ou preso, e não te ajudamos? ’
Ele responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo’.
E estes irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna.
Mateus 25:41-46

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