Sopro e Fumaça: Avicii se foi, mas deixou um pouco de Eclesiastes em sua música




Nunca fui muito ligado no eletrônico e eletropop. Nunca foi meu gênero favorito de música. Consequentemente, nunca fui ligado em DJs, embora conheça de nome alguns dos mais famosos, como David Guetta, Armin Van Buuren, Martin Garrix e The Chainsmokers. Um dos poucos que eu conheço de nome é o Avicii, o único que eu já escutei mais de uma música, várias vezes. Já já explico por quê. Hoje entrei no Facebook para desejar feliz aniversário para minha irmã, nascida num dia 20 de Abril há 22 anos, e me deparei com a notícia de que Avicii havia morrido. Nome real: Tim Bergling. Data de Nascimento: 8 de Setembro de 1989 Idade: 28 anos. Pouco mais de um ano mais velho do que eu. Quando li a notícia sobre sua morte, algo mexeu dentro de mim.
Uma das minhas músicas favoritas da vida é do Avicii. Lembro da primeira vez que ouvi. Um carro passando na rua com o som alto. Era uma musicalidade boa, era uma música bonita de se ouvir. Só tinha entendido da letra o "Hey brother". Cheguei em casa e fui procurar e quase chorei ouvindo/assistindo o clipe. O refrão era uma espécie de diálogo: 

- E se eu estiver longe de casa?
- Ei, irmão, eu vou te ouvir chamar!
- E se eu perder tudo?
- Ei, irmã, eu vou te ajudar em tudo! Oh, se o céu vier a cair, por você, não há nada que eu não faria neste mundo! 

 O clipe é uma história emocionante de um irmão que parte pra guerra. Essa música embalou vários momentos da minha vida, sobretudo de despedidas. Alguns talvez dissessem que não é uma música cristã, não é algo que um cristão deveria ouvir ou gostar. Talvez os mesmos que dizem que não há nada de bom na música pop de "hoje em dia". E eu confesso que poucas músicas que não falam de Cristo me tocam. Essa música me tocou e me toca profundamente. Sempre me lembro do meu amigo Marcos quando ela toca, porque lembro de cantá-la quando ele partiu pra fazer um ano de missão. Sempre me lembro da minha irmã Carol quando ela toca, pois faz um tempo que não moramos mais perto um do outro e as vezes me pergunto se ela sabe que pode contar sempre comigo.
A ironia é o DJ de "Hey Brother" falecer no dia do aniversário da minha irmã. Me fez lembrar de como a vida e a morte parecem forças implacáveis que nos jogam pra lá e pra cá durante a nossa existência. Avicii escreveu uma música que me lembra minha irmã e morreu no dia em que comemoro a vida dela. Lembro que eu orava constantemente pedindo a Deus, quando tinha lá meus 4 ou 5 anos, por uma irmã. Sou grato por ela, sou um admirador dela, e a amo incondicionalmente. Outra música dele que ouvi mais tarde e me tocou, foi "The Nights". Também é um diálogo onde o pai diz para o filho: "Quando você ficar mais velho, sua vida intensa vai sobreviver de dias mais jovens, pense em mim sempre que estiver com medo [...] um dia você deixará este mundo para trás, então, viva uma vida da qual você lembre".
Isso me lembrou da morte de outras pessoas. Enquanto eu escrevia este texto, resolvi ligar para minha irmã e soube que uma das minhas avós de consideração, vizinha da minha avó biológica faleceu hoje. Eu fui visitá-la nas férias e ela estava bem. Havia anos que eu não a via. Foi uma tarde gostosa. Há dois dias a tia do meu colega de quarto faleceu e eu estou ao lado dele enquanto ele processa a informação e as emoções ainda parecem incertas. Na última semana uma das minhas tias-avós faleceu também. Há quase quatro meses, um dos meus amigos, o Brenner, com apenas 22 anos, também faleceu, da maneira mais inesperada. Recebi a notícia em casa, enquanto estava de férias. Voltei no primeiro dia de aula sabendo que ele não estaria lá mais. Naquele dia, a Aqueldan, uma das nossas amigas em comum e também colega de classe, fez a meditação do dia (aqui no Unasp sempre fazemos meditações antes das aulas).
Ela contou que resolveu estudar Eclesiastes durante as férias, pois ela se incomodava com as declarações do livro e queria entendê-lo melhor. Como Gênesis apresenta o trabalho com a terra como benção divina e função do próprio homem, mas, à primeira lida, Eclesiastes o trata como algo que nos aflige e parece não ter sentido? Qual o sentido do trabalho, se os melhores trabalhadores só alcançarão algo quando já estiverem velhos demais para curtir? Ou qual o sentido de se viver pela diversão se a obrigatoriedade do trabalho sempre voltará em algum ponto? Salomão define todas essas coisas como הָֽבֶל (hevel), a palavra original do que sempre é traduzido para nós como "vaidade", mas na realidade quer dizer sopro, fumaça. Algo que passa mas que não podemos segurar, belo e misterioso, mas incontrolável. E o intrigante é que mesmo a parte que é a sabedoria, viver o temor do Senhor - algo pelo qual devemos viver, mesmo de acordo com Eclesiastes - ainda é hevel, pois não é uma garantia de que a vida será boa. Pessoas "boas" sofrem e morrem cedo, enquanto pessoas "más" vivem longas e prósperas vidas. Ainda assim há apenas um destino para todos nós: a morte. Ainda assim, diante da certeza da nossa finitude, Deus estabelece tempo para todas as coisas e coloca em nosso coração a "eternidade" e sem que nós possamos descobrir tudo sobre o que acontece debaixo do céu (Eclesiastes 3:11).
Eclesiastes ainda nos dirá que melhor é "o dia da morte do que o dia do nascimento. Melhor é ir à casa onde há luto do que à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens e os vivos que o tomem em consideração [...] melhor é o fim de todas as coisas do que o princípio" (Eclesiastes 7:1-2, 8). O dia de hoje realmente me colocou para pensar no cliché de como a morte coloca tudo em perspectiva, como ela nos faz refletir. Ela nos lembra de quão "hevel" a vida é. Veja, o sentido da vaidade (no inglês, geralmente traduzem como meaningless, ou sem sentido) faz com que percamos parte do sentido do texto. Algo ser hevel não necessariamente quer dizer que é ruim. Inclusive, é a mesma palavra para o nome de Abel (sim, o irmão de Caim). TUDO, coisas boas e ruins da vida, são hevel. São incontroláveis, incompreensíveis, nos parecem disformes, rápidas, fugazes. E por isso ele nos diz: "vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de antemão se agrada das tuas obras. Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça. Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol, porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo do sol. Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no túmulo, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma" (Ec 9:7-10).
Na música "Wake me up" do Avicii, o eu lírico parece não querer seguir um dos principais conselhos de Eclesiastes. No refrão ele diz: "me acorde quando tudo isso tiver acabado, quando eu for mais sábio e mais velho, durante todo este tempo eu estava procurando quem eu sou, não sabia que estava perdido". Ele diz que tentou carregar o peso do mundo, mas só tinha duas mãos, "a vida é um jogo feito para todos e amor é o prêmio". O livro de sabedoria, por sua vez, vai advertir, em seu último capítulo: "Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos nos quais dirás: Não tenho neles prazer" (Ec 12:1). Parecem ideias distintas, mas fico pensando se o que o eu lírico de "Wake me Up" procura não é exatamente a resposta que Eclesiastes dá. Depois de todos os conselhos do Qohelet (a persona do professor, traduzido para nossas versões como o pregador), o autor do livro conclui com uma suma: "De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda seus mandamentos, porque isso é dever de todo homem. Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más" (Ec 12:13-14).
Naquela manhã de quarta-feira quando minhas aulas começaram e a Aqueldan nos lembrou do Brenner e de Eclesiastes, eu entendi que nunca irei entender e é justamente sobre isso que é o livro de Salomão. Passamos boa parte da nossa vida duvidando de Deus por conta das coisas ruins que acontecem. Deixamos de fazer o que Ele nos pede pois achamos que não vai valer a pena. Nossa cultura religiosa nos ensinou que a religião nos priva do melhor da vida. Mas isso é hevel.
Precisamos lembrar do Criador como o eu lírico de "The Nights" lembra do seu pai. O Pai que não vai nos dar explicação sobre todas as coisas que acontecem na vida, mas aconselha a curtirmos essa vida que Ele nos deu e nos proporcionou. Um pai que está conosco quando estamos com medo. Um Pai que nos lembra que um dia todos nós deixaremos este mundo para trás - através da morte ou não, já que temos a esperança do retorno de Cristo e da ressurreição - e exatamente por isso, precisamos usufruir dos frutos do nosso trabalho, das coisas boas que ele nos deu de presente. Mas sempre nos lembrando dEle. Sempre nos lembrando de guardarmos seus mandamentos, que envolvem amar o próximo como a nós mesmos. Vó Dezinha, o Brenner, Tia Nedina, a tia Leni do meu amigo Guilherme se foram - pelo menos por agora. Vivemos com eles os momentos que tínhamos que viver. A lembrança agridoce sempre vai parar na nossa mente. Mas minha irmã ainda está aqui comemorando mais um ano de vida. O Gui está aqui e eu estou aqui por ele. O Marcos, a Aqueldan. Todos eles estão aqui e ainda posso abraçá-los. Amemos e vivamos juntos enquanto podemos, enquanto aguardamos pelo dia em que alcançaremos uma realidade onde as coisas não serão mais hevel. Até lá, se você está lendo esse texto, faço minhas as palavras do Tim Bergling, que foi Avicii e deixou sua belíssima obra para nós:
"Ei, irmão, há uma estrada sem fim de redescobrir Ei, irmã, saiba que a água é doce, mas o sangue é mais grosso [...]Ei, irmão, você ainda acredita em "nós"? Ei irmã, você ainda acredita no amor? Eu me pergunto... Ah, se o céu vier a cair, por você não há nada neste mundo que eu não faria".





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Religião no Facebook??