[Resenha] Mercury & Lightning, do John Mark McMillan: Uma nova religião ou uma nova vida?
Para ler ouvindo: Mercury & Lightning - John Mark McMillan
John Mark McMillan não faz música para curtir.
Não dá pra pegar um álbum dele e entender de cara o que ele quer dizer. Sua música exige uma certa dose de carga cultural, sensibilidade artística, tempo para se absorver os versos da poesia e uma boa dose de subjetividade e experiência.
Para alguns, esse tipo de álbum não é interessante. Não dá pra ouvir uma vez e entender e já escolher as músicas favoritas que vão pra playlist de viagem. Para outros, é estranho dizer que McMillan é um músico cristão. Ele não fala apenas de cristianismo, suas músicas não são de louvor congregacional, suas poesias nem sempre vão parecer música gospel. Isso é um problema pra muitos, principalmente aqueles que se incomodam com referências à cultura popular e a seres e mitologias que não fazem parte do que é culturalmente cristão.
E isso é exatamente o que "Mercury & Lightning", lançado no dia primeiro de Setembro de 2017, faz. Há o nome de um deus da mitologia greco-romana, Mercúrio, no título do álbum. Aliás, há uma estátua desse deus na capa do disco. A faixa título inicia a experiência com uma afirmação provocadora: "eu preciso de uma nova religião ou de uma nova vida".
E essa pergunta é crucial. Ela implica uma ruptura entre vida e religiosidade que é comum, mas não deveria. Ela aponta o problema com o ponto de vista do cristão que citei acima, o cristão que só consegue absorver a mensagem bíblico-cristã de algo se esse algo for gospel. É o mesmo tipo de raciocínio de alguém que procura uma religião que se encaixe melhor nos seus gostos e desejos. A religião bíblica não fala de agradar a gostos ou de coisas que são "gospel" ou "não-gospel". A Bíblia fala de fazer tudo para honra e glória de Deus (1 Coríntios 10:31), de criar um novo coração (Salmo 51), de renovação completa de mente (Romanos 12). Nessa perspectiva, a constatação do eu lírico faz muito sentido: eu preciso de uma nova religião ou de uma nova vida.
E essa afirmação está num contexto de alguém que corre atrás do Mercúrio. Mercúrio é o nome romano do deus grego Hermes. Ele é o deus mensageiro, protetor das estradas e dos viajantes, mas também é o deus do lucro, do comércio, do sucesso financeiro. Mercúrio é o nome de um metal líquido. Uma vez que ele se derrama você não consegue juntá-lo mais pois ele se move o tempo inteiro e muito rápido. O eu lírico diz que esteve "no telefone, correndo atrás de mercúrio e relâmpago, pressionando pra fechar um negócio", mas que agora está pensando sobre o que está acontecendo com o relacionamento entre ele e quem eu interpreto como sendo Deus, então ele muda a frase: "eu preciso de uma religião verdadeira ou eu preciso de uma nova vida".
E o álbum inteiro é sobre esse contraste entre as coisas rápidas, fugazes e superficiais pelas quais corremos e a grandeza, profundidade e infinitude dos relacionamentos, sobretudo o relacionamento com Deus. Em "Wilderlove", McMillan contrasta nossa pequenez com a grandeza do "amor imenso" que foi colocado dentro de nós e ainda assim nos contém. Em "Gods of American Success" ele fala de uma forma mais coletiva sobre correr atrás do mercúrio. "Enemy, love" usa uma interessante construção para falar sobre onde geralmente colocamos o nosso paraíso "paraíso numa garota perfeita, paraíso num vestido vazio". A primeira metade do álbum é sobre anseios, quimeras (sonhos não realizados) e sobre vir do nada para ter um propósito, como em "Unhaunted". Ainda nessa metade ele inclui outra figura da mitologia: Perséfone, deusa forçada a casar com Hades que vive no mundo inferior e vai apenas uma vez por ano visitar a superfície, e justamente a época da primavera. "Persephone" é sobre não querer viver a primavera como um homem morto do reino da esposa de Hades.
"Death in reverse" divide o álbum, seguida de um interlúdio chamado "E s r e v e r n i h t a e d" (que é Deathinreverse ao contrário rs). E a "morte reversa" à qual o eu lírico se refere é justamente a "nova vida" que ele imagina na primeira faixa. Ele é "levantado como um bebê, como um passarinho Fênix em chamas [...] como Lázaro". E a partir daí, o álbum sai do campo dos anseios e da busca pelo mercúrio, para falar da busca por algo maior, a busca por si mesmo e por Deus.
Nessa dinâmica, repleta de canções que passeiam entre o pop alternativo e o rock experimental, misturando efeitos sonoros típicos dos anos 80 com uma identidade contemporânea inconfundível, o álbum se fecha com a belíssima "Nothing Stands Between Us" (Nada permanece entre nós), na música mais clara e fácil de entender do álbum. Não é um clamor, não é um pedido, é uma certeza: nada mais fica entre o eu lírico e Deus.
É nessa certeza que John Mark McMillan conclui sua linha de raciocínio, que vai muito além do que eu disse aqui e possui muito mais nuances. Ele usa elementos da mitologia grega, base da nossa civilização ocidental com seu progresso científico e selvageria capitalista, para mostrar que a corrida atrás de Mercúrio e seus raios só leva ao reino de Perséfone. Mas há algo além disso, algo que vai além do mito e vai do nível mais íntimo e ínfimo ao infinito que é o Deus bíblico-cristão, no qual McMillan acredita.
Se você está procurando algo novo, musicalmente bem feito e com temáticas intrigantes e profundas, não fique no meu texto, vá logo ouvir esse álbum!
Não dá pra pegar um álbum dele e entender de cara o que ele quer dizer. Sua música exige uma certa dose de carga cultural, sensibilidade artística, tempo para se absorver os versos da poesia e uma boa dose de subjetividade e experiência.
Para alguns, esse tipo de álbum não é interessante. Não dá pra ouvir uma vez e entender e já escolher as músicas favoritas que vão pra playlist de viagem. Para outros, é estranho dizer que McMillan é um músico cristão. Ele não fala apenas de cristianismo, suas músicas não são de louvor congregacional, suas poesias nem sempre vão parecer música gospel. Isso é um problema pra muitos, principalmente aqueles que se incomodam com referências à cultura popular e a seres e mitologias que não fazem parte do que é culturalmente cristão.
E isso é exatamente o que "Mercury & Lightning", lançado no dia primeiro de Setembro de 2017, faz. Há o nome de um deus da mitologia greco-romana, Mercúrio, no título do álbum. Aliás, há uma estátua desse deus na capa do disco. A faixa título inicia a experiência com uma afirmação provocadora: "eu preciso de uma nova religião ou de uma nova vida".
E essa pergunta é crucial. Ela implica uma ruptura entre vida e religiosidade que é comum, mas não deveria. Ela aponta o problema com o ponto de vista do cristão que citei acima, o cristão que só consegue absorver a mensagem bíblico-cristã de algo se esse algo for gospel. É o mesmo tipo de raciocínio de alguém que procura uma religião que se encaixe melhor nos seus gostos e desejos. A religião bíblica não fala de agradar a gostos ou de coisas que são "gospel" ou "não-gospel". A Bíblia fala de fazer tudo para honra e glória de Deus (1 Coríntios 10:31), de criar um novo coração (Salmo 51), de renovação completa de mente (Romanos 12). Nessa perspectiva, a constatação do eu lírico faz muito sentido: eu preciso de uma nova religião ou de uma nova vida.
E essa afirmação está num contexto de alguém que corre atrás do Mercúrio. Mercúrio é o nome romano do deus grego Hermes. Ele é o deus mensageiro, protetor das estradas e dos viajantes, mas também é o deus do lucro, do comércio, do sucesso financeiro. Mercúrio é o nome de um metal líquido. Uma vez que ele se derrama você não consegue juntá-lo mais pois ele se move o tempo inteiro e muito rápido. O eu lírico diz que esteve "no telefone, correndo atrás de mercúrio e relâmpago, pressionando pra fechar um negócio", mas que agora está pensando sobre o que está acontecendo com o relacionamento entre ele e quem eu interpreto como sendo Deus, então ele muda a frase: "eu preciso de uma religião verdadeira ou eu preciso de uma nova vida".
E o álbum inteiro é sobre esse contraste entre as coisas rápidas, fugazes e superficiais pelas quais corremos e a grandeza, profundidade e infinitude dos relacionamentos, sobretudo o relacionamento com Deus. Em "Wilderlove", McMillan contrasta nossa pequenez com a grandeza do "amor imenso" que foi colocado dentro de nós e ainda assim nos contém. Em "Gods of American Success" ele fala de uma forma mais coletiva sobre correr atrás do mercúrio. "Enemy, love" usa uma interessante construção para falar sobre onde geralmente colocamos o nosso paraíso "paraíso numa garota perfeita, paraíso num vestido vazio". A primeira metade do álbum é sobre anseios, quimeras (sonhos não realizados) e sobre vir do nada para ter um propósito, como em "Unhaunted". Ainda nessa metade ele inclui outra figura da mitologia: Perséfone, deusa forçada a casar com Hades que vive no mundo inferior e vai apenas uma vez por ano visitar a superfície, e justamente a época da primavera. "Persephone" é sobre não querer viver a primavera como um homem morto do reino da esposa de Hades.
"Death in reverse" divide o álbum, seguida de um interlúdio chamado "E s r e v e r n i h t a e d" (que é Deathinreverse ao contrário rs). E a "morte reversa" à qual o eu lírico se refere é justamente a "nova vida" que ele imagina na primeira faixa. Ele é "levantado como um bebê, como um passarinho Fênix em chamas [...] como Lázaro". E a partir daí, o álbum sai do campo dos anseios e da busca pelo mercúrio, para falar da busca por algo maior, a busca por si mesmo e por Deus.
Nessa dinâmica, repleta de canções que passeiam entre o pop alternativo e o rock experimental, misturando efeitos sonoros típicos dos anos 80 com uma identidade contemporânea inconfundível, o álbum se fecha com a belíssima "Nothing Stands Between Us" (Nada permanece entre nós), na música mais clara e fácil de entender do álbum. Não é um clamor, não é um pedido, é uma certeza: nada mais fica entre o eu lírico e Deus.
É nessa certeza que John Mark McMillan conclui sua linha de raciocínio, que vai muito além do que eu disse aqui e possui muito mais nuances. Ele usa elementos da mitologia grega, base da nossa civilização ocidental com seu progresso científico e selvageria capitalista, para mostrar que a corrida atrás de Mercúrio e seus raios só leva ao reino de Perséfone. Mas há algo além disso, algo que vai além do mito e vai do nível mais íntimo e ínfimo ao infinito que é o Deus bíblico-cristão, no qual McMillan acredita.
Se você está procurando algo novo, musicalmente bem feito e com temáticas intrigantes e profundas, não fique no meu texto, vá logo ouvir esse álbum!
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