E a Verdade vos Libertará (ou A Beleza das Regras)


O que seria do jogo de palavras do Chico Buarque na música "Cálice", ou  da intenção do João Bosco e do Aldir Blanc enquanto compunham "O Bêbado e a Equilibrista" se não soubéssemos do contexto de Ditadura Militar e censura em que suas músicas foram compostas?
O que seria do estudo da literatura brasileira sem a compreensão dos períodos históricos em que os livros foram escritos?
O que seria da narrativa do clássico cinematográfico "Um Corpo que Cai" (Vertigo) do diretor Alfred Hitchcock sem a teoria da cor e o conhecimento técnico do significado cultural e físico das cores?
O que seria das críticas feitas pelo filme "Que Horas Ela Volta?" a algumas covenções sociais se não tivermos conhecimento o suficiente dos nossos problemas sócio-culturais no Brasil?
O que seria dos símbolos e das artes plásticas sem a guia psicológica seguida pelo cérebro, estudada e sistematizada pela Gestalt e amplamente utilizada por artistas e designers?

O costume de consumir a arte apenas pelo prazer dos sentidos é mais antigo do que o a mente fechada gosta de admitir. Assim como a necessidade humana de possuir limites e regras é maior do que o a mente aberta gosta de aceitar.
Enquanto alguns valorizam a arte erudita em detrimento da arte popular, elitizando uma e desprezando a outra, outros subestimam, e até mesmo desprezam, o poder do conhecimento, do método e das regras. Estes consideram que as regras são limitadoras, que elas prendem o artista ou o consumidor da arte a ideias fixas e estragam o princípio da intepretação pessoal da obra. A ideia deles é de que a teoria não deixa que a prática seja livre para usar os sentidos ao seu favor. Ignoram que apesar de ser impossível abrir mão da subjetividade, a objetividade também faz parte do processo criativo. Eu me lembro bem do meu professor de layout dizendo que mesmo que você queira quebrar as regras, antes você precisa conhecê-las.
Aqueles textinhos do lado das obras em museus e as aulas de literatura não existem à toa. 

O fato é que conhecimento faz uma diferença enorme. A saga Harry Potter apenas narra as aventuras de um bruxo adolescente num mundo fantástico se você não entende que a autora expressa ali sua opinião sobre preconceito, racismo, machismo, igualdade de direitos, morte, família e política. O filme "Mad Max: A Estrada da Fúria" é apenas um road movie de pancadaria se você não percebe as finas críticas ao consumismo exacerbado, ao machismo e às discussões sobre redenção, morte e significado. "As Crônicas de Nárnia" não passa de fantasia infantil se você não conhece os princípios básicos e as discussões fundamentais do cristianismo e não os reconhece na obra de C.S. Lewis.
A teoria das coisas também expande significados. Sem a teoria musical, não faria diferença se um músico escolhe um acorde dissonante para provocar uma sensação incômoda em uma parte tensa da peça ou se escolhe fazer uma frase inteira na mesma nota se quer passar a ideia de monotonia ou cansaço. Sem a teoria da cor, eu não saberia que o vermelho possui ondas que chegam mais rápido ao olho humano, e não faria diferença se o objeto de destaque de uma cena é vermelho.

Percebe como o conhecimento expande a experiência da arte e da comunicação? Percebe como a teoria e as regras ajudam a definir melhor sua mensagem, aumentando seu significado, ao invés de diminui-lo? Por mais que a apreciação da arte não dependa do conhecimento teórico, assim como a compreensão correta de uma mensagem não está necessariamente ligada a um curso de teoria, definitivamente há beleza e prazer também nas regras e teorias.

Ora, se qualquer obra literária é melhor compreendida dentro de seu contexto histórico e sócio-cultural, o que dizer da Bíblia, que muitos de nós - eu incluso - consideramos como guia definitivo para a humanidade?
Para os que não creem, é muito fácil criticar e para os que creem é muito fácil questionar os princípios bíblicos quando não possuem conhecimento de todo o contexto bíblico global, toda a sua extensão e tudo o que ela diz. Não dá pra entender Hebreus sem ler o Pentateuco. Não dá pra entender os escritos de Paulo sem ler o Antigo Testamento. Não dá pra entender a Nova Aliança feita através de Cristo, se você não entender o significado pleno da Antiga Aliança. Um texto em Gênesis pode ser fundamental para a compreensão de um texto em Apocalipse. O conhecimento básico do contexto histórico dos tempos em que foram escritos os livros fazem uma diferença gigantesca na maneira de entender o texto.
Uma busca simples num Dicionário Bíblico e numa Concordância pode resolver um texto aparentemente complicado.

Não é diferente com a nossa própria vida.
Deus não deixou ordenanças ao homem antes do pecado se fosse para ele fazer apenas o que quisesse e não o que foi criado para fazer. Deus não teria dado ao povo de Israel os Dez Mandamentos se fosse para eles viverem de qualquer jeito com a liberdade concedida a eles. Deus não enviou Jesus para morrer em nosso lugar e nos libertar da escravidão do pecado, para que, sem regras, caíssemos no pecado novamente. Deus não deixou a Bíblia à toa. Ele deixou um tratado sobre quem nós somos como humanidade, quem nós devemos e quem não devemos ser.
E ao contrário do que a maioria pensa, seguir esses princípios pode ampliar a experiência de viver, ao invés de limitá-la. Afinal, a liberdade não reside no fato de termos o poder de escolher fazer ou não fazer as coisas? Se eu escolho não fazer algo que todos fazem, significa que estou abrindo mão da minha liberdade ou na verdade é a minha liberdade de escolha que me permite dizer não?

Alguns pensam que se condicionarmos a Bíblia ou mesmo uma obra artística ao seu contexto original, estaremos limitando a experiência.
Mas, por experiência própria, eu digo que um filme fica muito mais interessante quando você sabe um mínimo sobre teoria de roteiro, da cor, movimentos de câmera e trabalho de diretores, ou a época em que foi feito. Uma música se torna ainda mais significativa quando sabemos a história dela. Um livro é ainda mais interessante se você entende a ideologia por trás dele.
Não, as regras e o conhecimento não limitam, mas expandem a experiência. E o melhor é que você nem precisa ser graduado ou pós-graduado em um assunto para compreende-lo. O conhecimento pode ser adquirido pelo costume de ler, de pesquisar, de ser curioso. Se não fosse assim, apenas estudiosos da teoria musical conseguiriam produzir boas músicas, mas sabemos que não é assim que funciona.

O único efeito colateral de buscar conhecimento e entender regras, talvez seja o fato de que você perca um pouco do gosto por arte feita sem intencionalidade, sem ideologia ou sem perícia. Ou seja, uma arte sem alma. Mas, cá entre nós, esse efeito colateral de ser "o chato de galochas" é realmente ruim?

Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos;
E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.
Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Sereis livres?
Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado.
Ora o servo não fica para sempre em casa; o Filho fica para sempre.
Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.
João 8:31-36

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